quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Uma emocionante versão do melhor conto de Chekhov


Antonio Gonçalves Filho – O Estado de S.Paulo

Um dos mais delicados contos de Chekhov, A Dama do Cachorrinho (1899), ganhou há 50 anos uma versão para o cinema quando se comemorava o centenário do escritor russo. O mínimo que se pode dizer dela é que se trata de uma transposição feita de pequenos gestos e filigranas. Seu diretor, Iosif Kheifits (1905- 1995), deu mais de uma vez provas de sua competência como artesão, realizando outras adaptações de grandes escritores, entre eles Turguêniev, de quem filmou Ásia, também uma história de amor impossível como A Dama do Cachorrinho.

Esse conto de Chekhov – que Gorki adorava e Tolstoi detestava (por razões morais) – exige mesmo do leitor uma tomada de posição, o que explica principalmente a elipse final que dá ao texto um caráter de obra aberta. Tolstoi, então, acabara de lançar seu último livro, Ressurreição, quando leu A Dama do Cachorrinho e, talvez por se reconhecer na figura do adúltero Dimitri Gurov, tenha sentido certo desconforto com o conto de Chekhov. Compreensível. Alheio à moral conservadora russa da virada do século, o autor ousou contar uma história de amor entre duas pessoas casadas e entediadas.

Gurov (Aleksei Batalov) trabalha em um banco, apesar de sua formação como filólogo – o que informa à futura amante Ana (Iya Savvina) logo no primeiro encontro. Ana é a dama do cachorrinho que conhece numa cidade de veraneio, Ialta, balneário de encontros fugazes no Mar Negro. Logo na primeira sequência do filme, o passeio de Ana com seu lulu da Pomerânia à beira-mar é comentado como o grande acontecimento do dia no bar em que Gurov entra. Lendo o jornal, ele a observa de longe para em seguida ver a linda mulher sentar a seu lado. Conquistador, Gurov atrai a atenção do cachorrinho para chegar ao seu verdadeiro objeto de desejo.

O que era para ser uma aventura passageira acaba em caso amoroso sério. Assustada, ela volta à cidade onde mora ao receber uma carta do marido pedindo sua volta. A sequência da despedida na estação ferroviária subverte o clichê das separações cinematográficas: Gurov fica com a luva de Ana nas mãos e, no lugar de guardá-la, abandona-a na grade da plataforma.

Kheifits segue rigorosamente a progressão do caso no conto de Chekhov, acentuando o tormento de um homem mais velho, casado e com três filhos, ao se apaixonar por uma mulher casada e quase 20 anos mais nova. Ele tenta esquecê-la, mas a irrelevância de seu cotidiano o conduz à casa de Ana – a cena mais tocante do filme de Kheifits, todo ele feito de silêncios reveladores como o da sequência final, em que o banqueiro-filólogo não tem palavras para exprimir seu desamparo. Dificilmente o cinema alcançou um tom emocionado como esse epílogo. Para ver e rever várias vezes.

A DAMA DO CACHORRINHO. Direção: Iosif Kheifits. Elenco: Iya Savvina e Aleksei Batalov. Cult Classic, R$ 34,90

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