perdi a virgindade com um dedo. que eu me lembre não conheci ninguém nessa mesma situação. e olha que fui empresária do sexo durante vinte anos, acho que vi de tudo em cima e fora de uma cama ––– mas foi impossível resistir ao padre giancarlo, aquela cara de franco nero e mãos belíssimas: mãos de padre pecador. quando chegou no colégio das freiras todas as meninas ficaram alvoroçadas e molhadinhas, mas eu, eu a mais bela de todas disfarcei e ardi sozinha ––– quantos olhares, quantos suspiros naquele mês de junho, eu virgem de quinze anos louca pra dar e giancarlo ali, justo ali fazendo pouso pra conhecer os sertões brasileiros. de passagem para uma missão no alto são francisco. a filha do prefeito fez várias cartas e disse que ia fugir com ele, uma tal que não lembro nome ficou pálida e triste acho que tanto tocar siririca ––– mas ele era um homem sério. e eu sabia disso. parece que mulher fica ainda mais assanhada pra seduzir quando o homem não dá bola ––– uma tarde quando todas as internas estavam recolhidas e a externas em suas casas lá fui eu devolver ao padre italiano um breviário de verbos em latim ––– as mãos do padre giancarlo eram uma obra de arte em carne e sangue que até hoje não consigo esquecer: unhas perfeitas, dedos longos e duas suaves veias em formato de ípsilon ––– ai ai ai ––– a chuvinha fina, o jardim do pátio do claustro, touceiras de jasmins e dálias coloridas ––– então ––– então o beijo ali no escuro do corredor ––– sinceramente que desperdício aquele homem ser padre, se giancarlo me pegasse e fugisse comigo eu acho que não tinha virado puta ––– eu já toda entregue, cheiro de homem asseado, saia levantada ––– ai ––– toda trêmula fui mulher entre os dedos dele e depois o meu galã de batina completamente horrorizado pelo excesso. será que ele era virgem? que coisa ––– fugiu ––– evitou-me como pôde e uma semana depois meu primeiro homem sumiu pra sempre. eu tinha vontade de gritar praquelas abestalhadas do colégio: chupei a língua do padre giancarlo! ele enfiou o dedão todinho no meu priquito! e gozei suas burguesinhas de merda e gozei ––– numa das viagens de compras por nova york eu e rubenita entramos na macy’s. a vendedora com cara de ganso fazendo demonstração do perfume diorella. quando cheirei no pulso fiquei tonta e quase desmaiei. era o cheiro daquela tarde de chuva com giancarlo me dedilhando no corredor ––– can i help you? what are you feeling mam? ––– como explicar praquela vendedora que o perfume lembrava o dia que eu perdi o meu cabaço? ––– sou uma pessoa olfativa. canja na panela lembra minha infância, insenso de sândalo lembra marina e o tal diorella nunca tive coragem de comprar. seria como viver com um fantasma fungando no meu pescoço pelo resto da vida –––
Fonte :Escritoras Suicidas
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