quarta-feira, 21 de abril de 2010

A infanticida Marie Farrar


Tradução de Paulo César de Souza

1

Marie Farrar, nascida em abril, menor

De idade, raquítica, sem sinais, órfã

Até agora sem antecedentes, afirma

Ter matado uma criança, da seguinte maneira:

Diz que, com dois meses de gravidez

Visitou uma mulher num subsolo

E recebeu, para abortar, uma injeção

Que em nada adiantou, embora doesse.

Os senhores, por favor, não fiquem indignados.

Pois todos nós precisamos de ajuda, coitados.



2

Ela porém, diz, não deixou de pagar

O combinado, e passou a usar uma cinta

E bebeu álcool, colocou pimenta dentro

Mas só fez vomitar e expelir

Sua barriga aumentava a olhos vistos

E também doía, por exemplo, ao lavar pratos.

E ela mesma, diz, ainda não terminara de crescer.

Rezava à Virgem Maria, a esperança não perdia.

Os senhores, por favor, não fiquem indignados

Pois todos nós precisamos de ajuda, coitados.



3

Mas as rezas foram de pouca ajuda, ao que parece.

Havia pedido muito. Com o corpo já maior

Desmaiava na Missa. Várias vezes suou

Suor frio, ajoelhada diante do altar.

Mas manteve seu estado em segredo

Até a hora do nascimento.

Havia dado certo, pois ninguém acreditava

Que ela, tão pouco atraente, caísse em tentação.

Mas os senhores, por favor, não fiquem indignados

Pois todos nós precisamos de ajuda, coitados.



4

Nesse dia, diz ela, de manhã cedo

Ao lavar a escada, sentiu como se

Lhe arranhassem as entranhas. Estremeceu.

Conseguiu no entanto esconder a dor.

Durante o dia, pendurando a roupa lavada

Quebrou a cabeça pensando: percebeu angustiada

Que iria dar à luz, sentindo então

O coração pesado. Era tarde quando se retirou.

Mas os senhores, por favor, não fiquem indignados

Pois todos nós precisamos de ajuda, coitados.



5

Mas foi chamada ainda uma vez, após se deitar:

Havia caído mais neve, ela teve que limpar.

Isso até a meia-noite. Foi um dia longo.

Somente de madrugada ela foi parir em paz.

E teve, como diz, um filho homem.

Um filho como tantos outros filhos.

Uma mãe como as outras ela não era, porém

E não podemos desprezá-la por isso.

Mas os senhores, por favor, não fiquem indignados.

Pois todos nós precisamos de ajuda, coitados.



6

Vamos deixá-la então acabar

De contar o que aconteceu ao filho

(Diz que nada deseja esconder)

Para que se veja como sou eu, como e você.

Havia acabado de se deitar, diz, quando

Sentiu náuseas. Sozinha

Sem saber o que viria

Com esforço calou seus gritos.

E os senhores, por favor, não fiquem indignados

Pois todos precisamos de ajuda, coitados.



7

Com as últimas forças, diz ela

Pois seu quarto estava muito frio

Arrastou-se até o sanitário, e lá (já não

sabe quando) deu à luz sem cerimônia

Lá pelo nascer do sol. Agora, diz ela

Estava inteiramente perturbada, e já com o corpo

Meio enrijecido, mal podia segurar a criança

Porque caía neve naquele sanitário dos serventes.

Os senhores, por favor, não fiquem indignados

Pois todos nós precisamos de ajuda, coitados.



8

Então, entre o quarto e o sanitário diz que

Até então não havia acontecido a criança começou

A chorar, o que a irritou tanto, diz, que

Com ambos os punhos, cegamente, sem parar

Bateu nela até que se calasse, diz ela.

Levou em seguida o corpo da criança

Para sua cama, pelo resto da noite

E de manhã escondeu-o na lavanderia.

Os senhores, por favor, não fiquem indignados

Pois todos nós precisamos de ajuda, coitados.



9

Marie Farrar, nascida em abril

Falecida na prisão de Meissen

Mãe solteira, condenada, pode lhes mostrar

A fragilidade de toda criatura. Vocês

Que dão à luz entre lençóis limpos

E chamam de abençoada sua gravidez

Não amaldiçoem os fracos e rejeitados, pois

Se o seu pecado foi grave, o sofrimento é grande.

Por isso lhes peço que não fiquem indignados

Pois todos nós precisamos de ajuda, coitados.

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