quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Deus te salve casa santa...

Para rememorar costumes quase esquecidos do nosso povo brasileiro,
mando-lhes este abraço de Dia de Reis. Papai Noel, de fato, é um invasor do
dia de Natal, um intruso, um usurpador que chegou ao Brasil por meio dos
ricos fazendeiros que rapidamente se tornaram importadores de costumes
americanos e europeus no começo do século vinte. Foi nas anotações antigas
de um desses grandes fazendeiros que encontrei as primeiras referências a
Papai Noel e à árvore de Natal.


Mas, na tradição do povo, o Dia de Reis era o dia em que se dava presentes
às crianças, para celebrar a visita dos Magos e o lugar da criança no
imaginário cristão. O Dia de Reis era, de fato, o primeiro dia da memória
cristã, o dia em que Jesus foi adorado porque reconhecido pela primeira vez,
o dia em que foi acolhido e então se fez homem.

Hoje esse lugar é ocupado pelo próprio Papai Noel.


E presente era doce, feito em casa, por mães e avós que procuravam esconder
a elaboração das dádivas. Nos presentes havia muito açúcar e muito amor. A
nossa verdadeira tradição popular do ciclo natalino vem da Europa do
Mediterrâneo – Portugal, Espanha, Itália. Não tem a malícia da compra e da
venda. Apenas a ternura ingênua de pessoas que faziam com as próprias mãos e
temperavam com o coração.

Perdemos a memória e trocamos de costumes: Papai Noel tomou conta do nosso
imaginário, com seu saco de mercadorias, agente do mercado, das vendas e do
lucro. Tomou o lugar inocente e belo dos Santos Reis, doadores de coisas
boas e saborosas feitas em casa.


No tempo das celebrações dos Santos Reis, o que media a vida era a fartura.
Pobre era quem não tinha o que comer, mas tinha amigos, aquele que,
portanto, podia ser ajudado pela comunidade, pela família, pela vizinhança,
e, nos momentos adversos, no mutirão comunitário para plantar e para colher.
Com Papai Noel chegou-nos uma nova concepção de pobreza e de humanidade.
Pobre é quem não pode comprar coisas que só existem no mercado. O pobre do
tempo de Papai Noel é o carente, aquele que não tem poder de compra, aquele
que não tem dinheiro. O nosso novo afeto tem medida, é quantitativo, mede-se
em moeda corrente. Pobre é quem é pobre de acesso àquilo que o capital
produz e vende.


É muito pobre essa pobreza! E muito triste.


Papai Noel mudou também a infância. Criança hoje é o imaturo que já maneja a
malícia da compra e da venda. A criança é hoje o objeto da mercadoria, não é
mais sujeito de coisa alguma. Nos tempos da festa dos Santos Reis, as
crianças não eram objeto, eram objetivo. Cada doce era um abraço, um
encontro, um beijo de ternura.


Deus te salve casa santa...

*José de Souza Martins*
São Paulo, 6 de janeiro de 2002



*P.S. Você pode ver este vídeo, gravado em 6 de janeiro 1999, com a Folia de
Reis de seu Simão, de 92 anos de idade, no bairro da Freguesia do Ó, em São
Paulo-SP, durante o rito da visita a uma casa de família na Rua Morais
Navarro. Uma bela surpresa esse registro, em plena metrópole, de um
antigo ritual da religiosidade da roça.*

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http://www.youtube.com/watch?v=zs77F-unVHs&feature=related* *


Os Urbanitas
http://www.aguaforte.com/antropologia

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