sexta-feira, 22 de janeiro de 2010
domingo, 17 de janeiro de 2010
Haiti
Não foi o medo do vodu que ajudaram a expulsar os franceses se fosse assim isso aconteceria também no Daomé(Benin)posteriormente.
Foi a luta de uma nação contra um império que vivia uma contradição ( os herdeiros da revolução francesa apoiando a escravidão? é claro que os milicos não estavão nem aí, mas pra que atravessar o oceano para morrer tão longe da pátria )
Olvidamos jamais da inportância para os movimentos abolicionistas da Independência do Haiti que venceu Napoleão desanimando-o a manter colonias (Louisiana vendida a poucos centavos o acre para os EUA)na América.
Wilso Roberto Nogueira
Foi a luta de uma nação contra um império que vivia uma contradição ( os herdeiros da revolução francesa apoiando a escravidão? é claro que os milicos não estavão nem aí, mas pra que atravessar o oceano para morrer tão longe da pátria )
Olvidamos jamais da inportância para os movimentos abolicionistas da Independência do Haiti que venceu Napoleão desanimando-o a manter colonias (Louisiana vendida a poucos centavos o acre para os EUA)na América.
Wilso Roberto Nogueira
Elite Política no Haiti
O Haiti nunca teve um Estado foram alguns projetos e incontáveis governos, pois isso interessava a predação do país e sua elite eurocentrica introjetada de preconceitos contra a maior parte do povo encastelou-se numa “Versalhes” tropical abandonando a massa negra a sua própria sorte e instrumentalizando suas crenças contra elas próprias. Escolas , hospitais,saneamento não surge de forma espontânea pracisa da intervenção da elite politica detentora do poder , a qual estava satisfeita enviando os seus à Europa e depois aos EUA .
Wilson Roberto Nogueira
Wilson Roberto Nogueira
Haiti
"Enquanto a cor da pele for mais importante que o brilho dos olhos, haverá guerra." (Bob Marley)
"O Marley se refere ao brilho dos olhos, talvez se referindo à vivacidade do olhar, que é o espelho da alma, como já disse alguém que não lembro agora"
Correto Vini,pulou a aparencia e foi logo na essência.coisas tão simples e verdadeiras,de tão cristalinas que muitos não veem.As pessoas não se olham com olhos de ver.Não dá lucro ou ainda vivemos como nossos ancestrais e haja borduna pra quem não é da nossa tribo ou entende nossos grunhidos.O Haiti no meio ao desespero da decomposição ainda nos preenche de humanidade cristã mas tem muita bandeira querendo fincar bondade e prestigio vulgo poder. qual a bandeira tem o cabo maior ?espero que não afundem aquele canto de ilha .Cada dia são menos vidas .cada sede ou fome mais violência.apressemo-nos a olhar o briolhar dos olhos enquanto ainda brilham.
Graças a revolução tecnológica as pessoas ficaram mais próximas ,todos somos vizinhos não importa o continente!A ajuda extra governamental é maior do que de muitos países.e alguns países preocupados com seu prestigio e poder na região atropelam os esforços de outros , todos querendo ajudar ;muitas mãos sobre um pedaço de ilha tão pequena a ameaçar de afundamento a esperança.
Wilson Roberto Nogueira
"O Marley se refere ao brilho dos olhos, talvez se referindo à vivacidade do olhar, que é o espelho da alma, como já disse alguém que não lembro agora"
Correto Vini,pulou a aparencia e foi logo na essência.coisas tão simples e verdadeiras,de tão cristalinas que muitos não veem.As pessoas não se olham com olhos de ver.Não dá lucro ou ainda vivemos como nossos ancestrais e haja borduna pra quem não é da nossa tribo ou entende nossos grunhidos.O Haiti no meio ao desespero da decomposição ainda nos preenche de humanidade cristã mas tem muita bandeira querendo fincar bondade e prestigio vulgo poder. qual a bandeira tem o cabo maior ?espero que não afundem aquele canto de ilha .Cada dia são menos vidas .cada sede ou fome mais violência.apressemo-nos a olhar o briolhar dos olhos enquanto ainda brilham.
Graças a revolução tecnológica as pessoas ficaram mais próximas ,todos somos vizinhos não importa o continente!A ajuda extra governamental é maior do que de muitos países.e alguns países preocupados com seu prestigio e poder na região atropelam os esforços de outros , todos querendo ajudar ;muitas mãos sobre um pedaço de ilha tão pequena a ameaçar de afundamento a esperança.
Wilson Roberto Nogueira
A Menina Amarela
Havia oito dias, Pedro de Alencar, aquele rapaz tão distinto e com uma posição invejável, ia seguidamente à casa de Flora Berta. Toda a roda estava admirada. Pedro – criatura feita de aristocracias inatas, cultor de elegâncias, encafuado num conventilho da Cidade Nova, entre mulheres de má vida, apaixonado pela Flora Berta, gordinha e vulgar nos seus vinte anos! Parecia impossível! Era decerto um novo vício, mais uma esquisitice moral.
Depois, Flora, curioso ser de instinto, tinha um amante, sujeito forte e carnudo, em casa a noite e o dia; e mais uma tropa de amigos íntimos que se aproveitavam dos esquecimentos da proprietária; para almoçar, jantar, dormir e, sempre que havia ocasião, amar. Não! Era impossível. Entretanto, Pedro de Alencar estava cada vez mais preso, e ao encontrar um dos seus mais acirrados amigos, deu a solução do enigma daquela atração.
- É esplêndido, filho, de inconsciência moral! Não imaginas a atmosfera permanente de animalidade vestida. Há meia dúzia de mulheres que só pensam nos homens, uma caterva de homens a galopar pelos corredores. E tudo, até os móveis, parecem gritar a falta de vergonha. Com um mês de estadia naquela casa, fica-se a perguntar onde está o pudor. Realmente, existe o pudor? Existiu mesmo? Estou de observação, meio alegre e meio triste.
A casa em que Pedro de Alencar estava de observação tinha no quarto da frente Flora Berta, com uma cama quebrada, um sofá servindo de toilete e as fotografias e os cartões postais dos seus apaixonados, pregados a tacha pelas paredes. As paredes estavam cobertas dessa ilustração amorosa e edificante. No quarto pegado, morava a Rosinha da Gruma, uma pobre mulher de boca mole e dentadura postiça, que se fizera especialista em amar meninos. Tinha talvez trinta permanentes, dos treze aos dezoito anos, que lhe levavam os magros vinténs, ardendo de devotamento e choravam quando se viam preteridos pelo mais velho, bela envergadura de atleta, cujo primeiro e único carinho fora a aplicação de uma sova tremenda. Na alcova pegada, morava um tipozinho franzino e pintado, a Formiga, apaixonada por um adolescente belo como o Perseu de Benevenuto, e no quarto da sala de jantar, rebaixada por falta de pagamento, Nina Banez, ex-cantora de café-concerto, subitamente empolada pelas caretas de um cômico jovem chamado Andrade. Ainda para os fundos moravam a velha mãe de Flora, com um tipo valentaço, que lhe batia diariamente, o irmão de Flora, ser ambíguo e serpentino, e a criada – uma criada baiana, sempre envolta num chalé e fumando certo cachimbo tão comprido, que parecia mais um narguilé.
Esse pessoal fazia ponto de reunião na estreita casa de jantar, onde, além da mesa, de um guarda-comida e da bilha de barro, havia uma lousa negra, em que se expunham os nomes das pessoas devedoras. Para passar aos quartos, passava-se por ali. Quartos havia que exigiam mesmo a passagem por outro. De modo que de repente, na conversa animada, havia um silêncio. Era alguém que entrava.
- D. Rosinha está?
Se era conhecido, o silêncio transformava-se em alarido.
- Ora, entra, deixa de partes!
Se era coisa nova, ou havia complicações, uma companheira dizia sempre:
- Vou ver.
Ia apenas prevenir. O que estava, saía por outra porta a vir tomar cerveja, e a Rosinha aparecia calma e sorridente:
- Só agora, seu mau! Estou à espera há tanto tempo!…
As damas estavam sempre em roupão, ou em camisa, os homens à frescata. A noite, assim por volta de uma hora da manhã, quando voltavam do teatro e dos cafés, organizavam-se ceias súbitas. Cada rapaz ia comprar uma coisa. Alguns, quando não tinham dinheiro nem para isso, vestiam as camisas das damas e ordenavam os outros com ares dominadores.
Pedro de Alencar assistia às cenas desenfreadas com um excelente bom humor. A princípio Flora Berta fazia sair o rapaz vigoroso por um dos quartos, para não se encontrarem. Pedro deu com o rapaz um dia à porta…
- O Sr. Francisco?
- As suas ordens.
- Subamos juntos.
- Parece-me…
- Nada mais interessante.
O Sr. Francisco subiu. Foi um acontecimento. Entre Francisco e Pedro, Flora Berta irradiava de orgulho e de prazer. Francisco era a sua satisfação física. Pedro o seu apetite de efeito. O segundo era mostrado como se mostra um colar de preço; o outro era invejado como um jantar sempre quente. E, verdadeiramente repartida, pendida para Pedro, com as mãos para Francisco, parecia felicíssima. De resto, embaixo, o automóvel de Pedro carbunculava na treva, e ela não resistia em ir correr a imensa Avenida do Mangue, um manto apenas sobre as espáduas nuas como Frinéia, só com o seu homem de luxo…
As conversas gerais nunca eram de uma inteira cordialidade. De suscetibilidade grande, essas damas zangavam-se por qualquer coisa, umas com as outras. Um vocabulário assustador surgia, portas batiam, gritos, ameaças de conflito. De vez em quando o ardente sustentador da mãe da dona da casa aparecia alcoolizado, com um punhal formidável, querendo matar toda a gente. As mulheres atiravam-se às janelas, pedindo socorro, e como a delegacia era próxima, minutos depois, soldados de espadagão trepavam escada acima, prestes aprender todos os presentes. Como, porém, o delegado tinha uma especial amizade a Flora Berta, tudo continuava na mesma. E ela vociferava indignada:
- Canalhas! Se não fosse eu, estava tudo preso!
Mas o agradável eram as tardes e as noites passadas na sua alcova paupérrima. Berta fechava-se por dentro, farta daquela vida, querendo uma casinha com palmeiras e canários. De um lado Francisco, sempre enleado, sorria; de outro, Pedro, muito alegre, fazia-lhe perguntas, e ela deitada, ria a morrer e contava coisas, como desde criança imaginara ser raptada, a fuga aos quatorze anos com o marido, um barbeiro, aliás, meio tolo, o abandono da casa por causa dos ciúmes da mamã, a quem sustentava.
- Afinal, sempre é mãe, não achas?
Depois tinha ternuras de voz:
- Na minha vida, até agora não tinha gostado de ninguém.
- E agora?
- Agora gosto de vocês dois.
E piscava os olhos para o Francisco, se Pedro estava voltado, tendo o cuidado de significar por um sinal qualquer a Pedro a sua preferência. O Sr. Francisco talvez acreditasse. Pedro divertia-se, amando, afinal, como devia amar essa criaturinha, ingênua, apesar de perdidíssima naquele ambiente de crápula. Era dos que se contentam com o que as mulheres dão, achando-as sempre generosas, por piores que elas sejam. E isso dava-lhe em pouco tempo uma enorme vantagem sobre todos os outros.
- Duvido! bradava ele.
- Juro!
- E estes retratos todos?
Ela então contava a história e as particularidades de cada um daqueles cavalheiros, ia buscar as cartas para lerem alto, rindo. Um dia, Pedro propôs o degolamento geral do exército de fotografias.
- Apoiado! fez com uma alegria terrível o Sr. Francisco.
- Não! não! clamava Flora Berta, louca de riso com a idéia do julgamento e da morte dos retratos.
Horas depois as paredes estavam nuas e Pedro sentia aquele misto de contentamento e de tristeza que tem todo o homem moderno, quando irreparavelmente o mundo lhe mostra o vácuo dos sentimentos. Era inacreditável! Não sentiam aqueles seres, não pensavam, não tinham um toque que os díferençasse dos animais, e pareciam felizes e viviam. Talvez fosse melhor não sentir, porque o pudor é a diferenciação do homem, e aqueles sem pudor viviam radiantes. Nenhum deles teria ao menos um laivo de decoro d’alma?
Talvez tivesse, mas tão apagado, tão liquefeito, e com certeza tão extemporâneo! Os homens pareciam ir ali despir a vergonha para estar à vontade; as mulheres nascidas naquele meio desde crianças, ainda impúberes e já com o conhecimento completo das mais tremendas luxúrias, prestando-se a todas as ignomínias, ignoravam mesmo o que fosse o pudor. E a sua dignidade, – porque elas tinham dignidade – era ter muitos amantes e não se zangar quando as outras lhes tomavam alguns.
- Meus restos, criatura…
O ceticismo romântico de Pedro tornava-se de uma análise penetrante, fazia-o um avaliador de algumas frases inconscientes daquela gente que ele tivera a ilusão de julgar um pouco melhor que a roda da diversão e prazer caro. Pois era pior. Pior porque não era imoral. Nem isso. Pior porque era a alma nua espojando-se e mostrando as mazelas. Aquelas mulheres tinham sido virgens, talvez tivessem ignorado a vida. Nenhuma delas, porém, mostrava, na abundante tagarelice, um sentimento perfumado, uma vaga emoção dignificadora, – tropa meio bamba de bacantes permanentes, com instintos selvagens. E, entretanto, Pedro não desanimava. Fazer-se amar pela Flora Berta? Pobrezita! Não. Ver uma daquelas mulheres mostrar subitamente qualquer coisa de nobre? Não. Pedro esperava o terrível, o imprevisto, lugubremente horrível que há sempre a pairar nos transbordamentos banais da luxúria. E naquela casa aberta a toda a gente, onde se praticava a vida animal sem mistério, sem recato, na sarabanda das ceias, nas mais desenfreadas orgias, em diálogos com a velha mãe de Flora, diariamente espancada, forçando a intimidade com o amoroso Francisco, a cada instante parecia-lhe sentir que impalpavelmente a revelação imprevista ia surgir.
Uma vez, Pedro estava só com a Flora, quando bateram à porta:
- É o Francisco.
- Não, ele bate de outro modo. Decerto alguém que vai passar para o quarto da Rosinha.
Deu a volta à chave, abriu. Diante deles estava, com a sua saia suja, o casaco em tiras, o cabelo de estopa por pentear, uma pobre menina.
Era horrível.
Pequena, miúda, magra, o pescoço fino, tremia como se viesse da neve. E parecia que lhe tinham dado por dentro da pele um violento banho de enxofre. Tinha jalde a face, a pele das mãos era amarela, os lábios, sem sangue, laivavam-se de amarelo, e nas olheiras cor-de-perpétua a esclerótica era cor-de-ovo. Lembrava um espectro de pesadelo, um ser irreal, onde só os seios duros e eretos davam uma impressão de vida impetuosa.
Quando viu Pedro, agarrou-se à porta, a face contraída, tremendo.
- Que queres? indagou colérica Flora.
- Foi a senhora sua mãe que mandou. Pensava estar só, balbuciou a petiz.
- Não disse já que não aparecesse aqui?
- Foi sem vontade. Desculpe. Eu não gosto, não, de aparecer.
E foi recuando, pávida. Berta fechou a porta.
- Que bicho é esse?
- Uma rapariguita, que está aí de favor. Ajuda lá na cozinha.
- Não a tinha visto ainda.
- Tem medo, é uma tola. Imagina tu que tem medo aos homens! Por isso não aparece.
- Mau lugar escolheu ela.
Mas de novo arranhavam à porta. E de fora uma voz lívida, voz de medo, de angústia, de pavor, de choro, quase soluçante, dizia:
- Sou eu ainda, minha senhora. Sua mãe manda buscar a bacia…
Prevendo uma violência da encantadora Flora e mais do que tudo cheio de curiosidade, Pedro ergueu-se rápido e tomou abrir a porta.
- Vá, entre.
A pequena hesitou como se fosse atirar-se a um abismo, fechou os olhos, arregalou-os muito, esticou as mãos amarelas, andou um pouco. Tinha os pés nus e sujos e andando arfava como um duende aterrado. Agarrou a bacia, sobraçou-a. Era atroz, assustadoramente atroz.
- Vem cá. Como se chama você?
- Fala, menina, não tremas. Este senhor não te faz mal. É isso. Vê homem, começa a tremer! Ó Maria, como te chamas? Conta como foi, rapariga, vem cá…
A pequena amarela olhou-os um instante mais, convulsionou-se num soluço que lhe esbugalhava o olhar e deitou a correr pelo corredor. Houve um silêncio, logo interrompido pelo riso de Flora Berta.
- Está há muito tempo contigo?
- Três meses. Foi o pai que a colocou aqui. Tem doze anos e já com aqueles seios…
- Mas está doente, filha. Nunca vi na minha vida uma criatura tão amarela.
Flora voltou-se no leito. Estava linda com a sua carne de leite e rosa.
- Não. Aquilo foi de repente. Há quatro meses um carroceiro, amigo do pai, agarrou-a de noite, à força. No outro dia foram encontrá-la assim, a soluçar, não podendo olhar os homens sem tremer, sem fugir. Nem mesmo o pai. E amarela, toda amarela, filho. O médico disse que foi de horror…
No dia seguinte os hóspedes alegres da casa de Flora Berta verificaram com mágoa que Pedro de Alencar, aquele rapaz tão distinto e com uma posição invejável, deixava de aparecer.
Por João do Rio
http//www.opiniaoenoticia.blogspot.com
Depois, Flora, curioso ser de instinto, tinha um amante, sujeito forte e carnudo, em casa a noite e o dia; e mais uma tropa de amigos íntimos que se aproveitavam dos esquecimentos da proprietária; para almoçar, jantar, dormir e, sempre que havia ocasião, amar. Não! Era impossível. Entretanto, Pedro de Alencar estava cada vez mais preso, e ao encontrar um dos seus mais acirrados amigos, deu a solução do enigma daquela atração.
- É esplêndido, filho, de inconsciência moral! Não imaginas a atmosfera permanente de animalidade vestida. Há meia dúzia de mulheres que só pensam nos homens, uma caterva de homens a galopar pelos corredores. E tudo, até os móveis, parecem gritar a falta de vergonha. Com um mês de estadia naquela casa, fica-se a perguntar onde está o pudor. Realmente, existe o pudor? Existiu mesmo? Estou de observação, meio alegre e meio triste.
A casa em que Pedro de Alencar estava de observação tinha no quarto da frente Flora Berta, com uma cama quebrada, um sofá servindo de toilete e as fotografias e os cartões postais dos seus apaixonados, pregados a tacha pelas paredes. As paredes estavam cobertas dessa ilustração amorosa e edificante. No quarto pegado, morava a Rosinha da Gruma, uma pobre mulher de boca mole e dentadura postiça, que se fizera especialista em amar meninos. Tinha talvez trinta permanentes, dos treze aos dezoito anos, que lhe levavam os magros vinténs, ardendo de devotamento e choravam quando se viam preteridos pelo mais velho, bela envergadura de atleta, cujo primeiro e único carinho fora a aplicação de uma sova tremenda. Na alcova pegada, morava um tipozinho franzino e pintado, a Formiga, apaixonada por um adolescente belo como o Perseu de Benevenuto, e no quarto da sala de jantar, rebaixada por falta de pagamento, Nina Banez, ex-cantora de café-concerto, subitamente empolada pelas caretas de um cômico jovem chamado Andrade. Ainda para os fundos moravam a velha mãe de Flora, com um tipo valentaço, que lhe batia diariamente, o irmão de Flora, ser ambíguo e serpentino, e a criada – uma criada baiana, sempre envolta num chalé e fumando certo cachimbo tão comprido, que parecia mais um narguilé.
Esse pessoal fazia ponto de reunião na estreita casa de jantar, onde, além da mesa, de um guarda-comida e da bilha de barro, havia uma lousa negra, em que se expunham os nomes das pessoas devedoras. Para passar aos quartos, passava-se por ali. Quartos havia que exigiam mesmo a passagem por outro. De modo que de repente, na conversa animada, havia um silêncio. Era alguém que entrava.
- D. Rosinha está?
Se era conhecido, o silêncio transformava-se em alarido.
- Ora, entra, deixa de partes!
Se era coisa nova, ou havia complicações, uma companheira dizia sempre:
- Vou ver.
Ia apenas prevenir. O que estava, saía por outra porta a vir tomar cerveja, e a Rosinha aparecia calma e sorridente:
- Só agora, seu mau! Estou à espera há tanto tempo!…
As damas estavam sempre em roupão, ou em camisa, os homens à frescata. A noite, assim por volta de uma hora da manhã, quando voltavam do teatro e dos cafés, organizavam-se ceias súbitas. Cada rapaz ia comprar uma coisa. Alguns, quando não tinham dinheiro nem para isso, vestiam as camisas das damas e ordenavam os outros com ares dominadores.
Pedro de Alencar assistia às cenas desenfreadas com um excelente bom humor. A princípio Flora Berta fazia sair o rapaz vigoroso por um dos quartos, para não se encontrarem. Pedro deu com o rapaz um dia à porta…
- O Sr. Francisco?
- As suas ordens.
- Subamos juntos.
- Parece-me…
- Nada mais interessante.
O Sr. Francisco subiu. Foi um acontecimento. Entre Francisco e Pedro, Flora Berta irradiava de orgulho e de prazer. Francisco era a sua satisfação física. Pedro o seu apetite de efeito. O segundo era mostrado como se mostra um colar de preço; o outro era invejado como um jantar sempre quente. E, verdadeiramente repartida, pendida para Pedro, com as mãos para Francisco, parecia felicíssima. De resto, embaixo, o automóvel de Pedro carbunculava na treva, e ela não resistia em ir correr a imensa Avenida do Mangue, um manto apenas sobre as espáduas nuas como Frinéia, só com o seu homem de luxo…
As conversas gerais nunca eram de uma inteira cordialidade. De suscetibilidade grande, essas damas zangavam-se por qualquer coisa, umas com as outras. Um vocabulário assustador surgia, portas batiam, gritos, ameaças de conflito. De vez em quando o ardente sustentador da mãe da dona da casa aparecia alcoolizado, com um punhal formidável, querendo matar toda a gente. As mulheres atiravam-se às janelas, pedindo socorro, e como a delegacia era próxima, minutos depois, soldados de espadagão trepavam escada acima, prestes aprender todos os presentes. Como, porém, o delegado tinha uma especial amizade a Flora Berta, tudo continuava na mesma. E ela vociferava indignada:
- Canalhas! Se não fosse eu, estava tudo preso!
Mas o agradável eram as tardes e as noites passadas na sua alcova paupérrima. Berta fechava-se por dentro, farta daquela vida, querendo uma casinha com palmeiras e canários. De um lado Francisco, sempre enleado, sorria; de outro, Pedro, muito alegre, fazia-lhe perguntas, e ela deitada, ria a morrer e contava coisas, como desde criança imaginara ser raptada, a fuga aos quatorze anos com o marido, um barbeiro, aliás, meio tolo, o abandono da casa por causa dos ciúmes da mamã, a quem sustentava.
- Afinal, sempre é mãe, não achas?
Depois tinha ternuras de voz:
- Na minha vida, até agora não tinha gostado de ninguém.
- E agora?
- Agora gosto de vocês dois.
E piscava os olhos para o Francisco, se Pedro estava voltado, tendo o cuidado de significar por um sinal qualquer a Pedro a sua preferência. O Sr. Francisco talvez acreditasse. Pedro divertia-se, amando, afinal, como devia amar essa criaturinha, ingênua, apesar de perdidíssima naquele ambiente de crápula. Era dos que se contentam com o que as mulheres dão, achando-as sempre generosas, por piores que elas sejam. E isso dava-lhe em pouco tempo uma enorme vantagem sobre todos os outros.
- Duvido! bradava ele.
- Juro!
- E estes retratos todos?
Ela então contava a história e as particularidades de cada um daqueles cavalheiros, ia buscar as cartas para lerem alto, rindo. Um dia, Pedro propôs o degolamento geral do exército de fotografias.
- Apoiado! fez com uma alegria terrível o Sr. Francisco.
- Não! não! clamava Flora Berta, louca de riso com a idéia do julgamento e da morte dos retratos.
Horas depois as paredes estavam nuas e Pedro sentia aquele misto de contentamento e de tristeza que tem todo o homem moderno, quando irreparavelmente o mundo lhe mostra o vácuo dos sentimentos. Era inacreditável! Não sentiam aqueles seres, não pensavam, não tinham um toque que os díferençasse dos animais, e pareciam felizes e viviam. Talvez fosse melhor não sentir, porque o pudor é a diferenciação do homem, e aqueles sem pudor viviam radiantes. Nenhum deles teria ao menos um laivo de decoro d’alma?
Talvez tivesse, mas tão apagado, tão liquefeito, e com certeza tão extemporâneo! Os homens pareciam ir ali despir a vergonha para estar à vontade; as mulheres nascidas naquele meio desde crianças, ainda impúberes e já com o conhecimento completo das mais tremendas luxúrias, prestando-se a todas as ignomínias, ignoravam mesmo o que fosse o pudor. E a sua dignidade, – porque elas tinham dignidade – era ter muitos amantes e não se zangar quando as outras lhes tomavam alguns.
- Meus restos, criatura…
O ceticismo romântico de Pedro tornava-se de uma análise penetrante, fazia-o um avaliador de algumas frases inconscientes daquela gente que ele tivera a ilusão de julgar um pouco melhor que a roda da diversão e prazer caro. Pois era pior. Pior porque não era imoral. Nem isso. Pior porque era a alma nua espojando-se e mostrando as mazelas. Aquelas mulheres tinham sido virgens, talvez tivessem ignorado a vida. Nenhuma delas, porém, mostrava, na abundante tagarelice, um sentimento perfumado, uma vaga emoção dignificadora, – tropa meio bamba de bacantes permanentes, com instintos selvagens. E, entretanto, Pedro não desanimava. Fazer-se amar pela Flora Berta? Pobrezita! Não. Ver uma daquelas mulheres mostrar subitamente qualquer coisa de nobre? Não. Pedro esperava o terrível, o imprevisto, lugubremente horrível que há sempre a pairar nos transbordamentos banais da luxúria. E naquela casa aberta a toda a gente, onde se praticava a vida animal sem mistério, sem recato, na sarabanda das ceias, nas mais desenfreadas orgias, em diálogos com a velha mãe de Flora, diariamente espancada, forçando a intimidade com o amoroso Francisco, a cada instante parecia-lhe sentir que impalpavelmente a revelação imprevista ia surgir.
Uma vez, Pedro estava só com a Flora, quando bateram à porta:
- É o Francisco.
- Não, ele bate de outro modo. Decerto alguém que vai passar para o quarto da Rosinha.
Deu a volta à chave, abriu. Diante deles estava, com a sua saia suja, o casaco em tiras, o cabelo de estopa por pentear, uma pobre menina.
Era horrível.
Pequena, miúda, magra, o pescoço fino, tremia como se viesse da neve. E parecia que lhe tinham dado por dentro da pele um violento banho de enxofre. Tinha jalde a face, a pele das mãos era amarela, os lábios, sem sangue, laivavam-se de amarelo, e nas olheiras cor-de-perpétua a esclerótica era cor-de-ovo. Lembrava um espectro de pesadelo, um ser irreal, onde só os seios duros e eretos davam uma impressão de vida impetuosa.
Quando viu Pedro, agarrou-se à porta, a face contraída, tremendo.
- Que queres? indagou colérica Flora.
- Foi a senhora sua mãe que mandou. Pensava estar só, balbuciou a petiz.
- Não disse já que não aparecesse aqui?
- Foi sem vontade. Desculpe. Eu não gosto, não, de aparecer.
E foi recuando, pávida. Berta fechou a porta.
- Que bicho é esse?
- Uma rapariguita, que está aí de favor. Ajuda lá na cozinha.
- Não a tinha visto ainda.
- Tem medo, é uma tola. Imagina tu que tem medo aos homens! Por isso não aparece.
- Mau lugar escolheu ela.
Mas de novo arranhavam à porta. E de fora uma voz lívida, voz de medo, de angústia, de pavor, de choro, quase soluçante, dizia:
- Sou eu ainda, minha senhora. Sua mãe manda buscar a bacia…
Prevendo uma violência da encantadora Flora e mais do que tudo cheio de curiosidade, Pedro ergueu-se rápido e tomou abrir a porta.
- Vá, entre.
A pequena hesitou como se fosse atirar-se a um abismo, fechou os olhos, arregalou-os muito, esticou as mãos amarelas, andou um pouco. Tinha os pés nus e sujos e andando arfava como um duende aterrado. Agarrou a bacia, sobraçou-a. Era atroz, assustadoramente atroz.
- Vem cá. Como se chama você?
- Fala, menina, não tremas. Este senhor não te faz mal. É isso. Vê homem, começa a tremer! Ó Maria, como te chamas? Conta como foi, rapariga, vem cá…
A pequena amarela olhou-os um instante mais, convulsionou-se num soluço que lhe esbugalhava o olhar e deitou a correr pelo corredor. Houve um silêncio, logo interrompido pelo riso de Flora Berta.
- Está há muito tempo contigo?
- Três meses. Foi o pai que a colocou aqui. Tem doze anos e já com aqueles seios…
- Mas está doente, filha. Nunca vi na minha vida uma criatura tão amarela.
Flora voltou-se no leito. Estava linda com a sua carne de leite e rosa.
- Não. Aquilo foi de repente. Há quatro meses um carroceiro, amigo do pai, agarrou-a de noite, à força. No outro dia foram encontrá-la assim, a soluçar, não podendo olhar os homens sem tremer, sem fugir. Nem mesmo o pai. E amarela, toda amarela, filho. O médico disse que foi de horror…
No dia seguinte os hóspedes alegres da casa de Flora Berta verificaram com mágoa que Pedro de Alencar, aquele rapaz tão distinto e com uma posição invejável, deixava de aparecer.
Por João do Rio
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Os Pecados do Haiti
A democracia haitiana nasceu há muito pouco. No seu breve tempo de vida, esta criatura faminta e enferma não recebeu nada, além de bofetadas. Estava ainda recém nascida, nos dias de festa de 1991, quando foi assassinada pela quartelada do general Raul Cedras. Três anos mais tarde, ressuscitou. Depois de terem colocado e retirado tantos ditadores militares, os Estados Unidos pegaram e impuseram o presidente Jean-Bertrand Aristide, que havia sido o primeiro governante eleito por voto popular em toda a história do Haiti e que havia tido a louca aspiração de querer um país menos injusto.
O voto e o veto
Para apagar as nódoas da participação norte-americana na ditadura carniceira do general Cedras, os infantes de marinha levaram 160 mil páginas dos arquivos secretos. Aristide regressou acorrentado. Deram-lhe permissão para retomar o governo, mas o proibiram exercer o poder. Seu sucessor, René Préval, obteve quase 90 por cento dos votos, porém mais poder que Préval tem qualquer burocrata de quarta categoria do Fundo Monetário ou do Banco Mundial, ainda que o povo haitiano não o tenha sequer eleito com um voto apenas.
Mais que o voto, pode o veto. Veto às reformas: cada vez que Préval, ou algum de seus ministros, pede créditos internacionais para dar pão aos famintos, instrução aos analfabetos o terra aos camponeses, não recebe resposta, ou o contradizem ordenando-lhe: - Faça a lição! E como o governo haitiano nunca aprende que deve desmantelar os poucos serviços públicos que ainda permanecem, últimos pobres amparos para um dos povos mais desamparados do mundo, os professores acabam sempre por reprová-lo.
O álibi demográfico
No final do ano passado quatro deputados alemães visitaram o Haiti. Assim que chegaram, a miséria do povo os atingiu frontalmente. Então o embaixador de Alemanha lhes explicou, em Porto Príncipe, qual é o problema: - Este é um país demasiadamente povoado - disse-. A mulher haitiana sempre quer e o homem haitiano sempre pode.
E riu. Os deputados se calaram. Essa noite, um deles, Winfried Wolf, consultou as cifras. E comprovou que o Haiti é, com El Salvador, o país mais superpovoado das Américas, tanto quanto a Alemanha: tem quase a mesma quantidade de habitantes por quilometro quadrado. Em sua passagem pelo Haiti, o deputado Wolf não apenas foi atingido pela miséria: também ficou deslumbrado pela capacidade de expressar a beleza dos pintores populares. E chegou à conclusão de que o Haiti está superpovoado… de artistas.
Na realidade, o álibi demográfico é mais o menos recente. Até a alguns anos, as potências ocidentais falaram bem mais claro.
A tradição racista
Os Estados Unidos invadiram o Haiti em 1915 e governaram o país até 1934. Retiraram-se quando alcançaram seus dois objetivos: cobrar as dívidas do City Bank e revogar o artigo constitucional que proibia a venda de terras aos estrangeiros. Robert Lansing, então secretário de Estado, justificou a prolongada e feroz ocupação militar explicando que a raça negra é incapaz de se governar por si mesma, que possui “uma tendência inerente à vida selvagem e uma incapacidade física de civilização”. Uno dos responsáveis pela invasão, William Philips, havia elaborado anteriormente a sagaz idéia: “Esse é um povo inferior, incapaz de conservar a civilização que tinham deixado os franceses”.
O Haiti havia sido a pérola da corona, a colônia mais rica da França: uma grande plantação de açúcar, com força de trabalho escrava. No espírito das leis, Montesquieu o havia explicado sem travas na língua: “O açúcar seria demasiado caro se não trabalhassem os escravos para sua produção. Esses escravos são negros desde os pés até a cabeça e têm o nariz tão esmagado que é quase impossível ter deles alguma pena. Resulta impensável que Deus, que é um ser muito sábio, tenha posto uma alma e sobretudo uma alma boa num corpo inteiramente negro”.
Em troca, Deus havia colocado um chicote na mão do feitor. Os escravos não se distinguiam por sua vontade de trabalho. Os negros eram escravos por natureza e vadios também por natureza; e a natureza, cúmplice da ordem social, era obra de Deus: o escravo devia servir ao amo e o amo devia castigar o escravo, que não mostrasse o menor entusiasmo na hora de cumprir com o desígnio divino. Karl von Linneo, contemporâneo de Montesquieu, havia retratado o negro com precisão científica: “Vagabundo, desocupado, negligente, indolente e de costumes dissolutos”. Mais generosamente, outro contemporâneo, David Hume, havia comprovado que o negro “pode desenvolver certas habilidades humanas, como o papagaio que fala algumas palavras”.
A humilhação imperdoável
Em 1803, os negros do Haiti ocasionaram uma tremenda derrota às tropas de Napoleão Bonaparte e Europa não perdoou jamais essa humilhação infligida à raça branca. O Haiti foi o primeiro país livre das Américas. Os Estados Unidos haviam conquistado antes sua própria independência, porém conservava ainda meio milhão de escravos trabalhando nas plantações de algodão e de tabaco. Jefferson, que era senhor de escravos, dizia que todos os homens são iguais, mas também dizia que os negros foram, são e serão inferiores.
A bandeira dos livres se içou sobre as ruínas. A terra haitiana havia sido devastada pele monocultura do açúcar e arrasada pelas calamidades da guerra contra a França. Uma terça parte da população havia caído em combate. Então, começou o bloqueio. A nação recém nascida foi condenada à solidão. Ninguém comprava dela, ninguém lhe vendia, ninguém a reconhecia.
O delito da dignidade
Nem mesmo Simão Bolívar, que soube ser tão valente, teve a coragem de assinar o reconhecimento diplomático do país negro. Bolívar poderia ter reiniciado sua luta pela independência americana, quando já havia derrotado a Espanha, graças ao apoio do Haiti. O governo haitiano lhe havia entregado sete navios, muitas armas e soldados, com a única condição que Bolívar libertasse os escravos, uma idéia que ao Libertador não lhe passava pela cabeça. Bolívar cumpriu com esse compromisso, porém depois de sua vitória, quando já governava a Grande Colômbia, deu as costas ao país que o havia salvado. E quando convocou as nações americanas para a reunião do Panamá, não convidou o Haiti, mas sim a Inglaterra.
Os Estados Unidos reconheceram o Haiti depois de sessenta anos do final da guerra de independência, enquanto Etienne Serres, um gênio francês da anatomia, descobria em Paris que os negros são primitivos porque possuem pouca distância entre o umbigo e o pênis. Naquele instante, o Haiti já estava nas mãos de carniceiras ditaduras militares, que destinavam os famélicos recursos do país para pagar a dívida com ex-metrópole: a Europa havia imposto ao Haiti a obrigação de pagar à Francia una indenização gigantesca, como modo de ver-se perdoado por ter cometido o delito da dignidade.
A história do assédio contra o Haiti, que em nossos dias tem dimensões de tragédia, é também una história do racismo na civilização ocidental.
Publicado em 15 de Janeiro de 2010
http://www.cubadebate.cu/opinion/ 2010/01/15/ los-pecados- de-haiti/
O voto e o veto
Para apagar as nódoas da participação norte-americana na ditadura carniceira do general Cedras, os infantes de marinha levaram 160 mil páginas dos arquivos secretos. Aristide regressou acorrentado. Deram-lhe permissão para retomar o governo, mas o proibiram exercer o poder. Seu sucessor, René Préval, obteve quase 90 por cento dos votos, porém mais poder que Préval tem qualquer burocrata de quarta categoria do Fundo Monetário ou do Banco Mundial, ainda que o povo haitiano não o tenha sequer eleito com um voto apenas.
Mais que o voto, pode o veto. Veto às reformas: cada vez que Préval, ou algum de seus ministros, pede créditos internacionais para dar pão aos famintos, instrução aos analfabetos o terra aos camponeses, não recebe resposta, ou o contradizem ordenando-lhe: - Faça a lição! E como o governo haitiano nunca aprende que deve desmantelar os poucos serviços públicos que ainda permanecem, últimos pobres amparos para um dos povos mais desamparados do mundo, os professores acabam sempre por reprová-lo.
O álibi demográfico
No final do ano passado quatro deputados alemães visitaram o Haiti. Assim que chegaram, a miséria do povo os atingiu frontalmente. Então o embaixador de Alemanha lhes explicou, em Porto Príncipe, qual é o problema: - Este é um país demasiadamente povoado - disse-. A mulher haitiana sempre quer e o homem haitiano sempre pode.
E riu. Os deputados se calaram. Essa noite, um deles, Winfried Wolf, consultou as cifras. E comprovou que o Haiti é, com El Salvador, o país mais superpovoado das Américas, tanto quanto a Alemanha: tem quase a mesma quantidade de habitantes por quilometro quadrado. Em sua passagem pelo Haiti, o deputado Wolf não apenas foi atingido pela miséria: também ficou deslumbrado pela capacidade de expressar a beleza dos pintores populares. E chegou à conclusão de que o Haiti está superpovoado… de artistas.
Na realidade, o álibi demográfico é mais o menos recente. Até a alguns anos, as potências ocidentais falaram bem mais claro.
A tradição racista
Os Estados Unidos invadiram o Haiti em 1915 e governaram o país até 1934. Retiraram-se quando alcançaram seus dois objetivos: cobrar as dívidas do City Bank e revogar o artigo constitucional que proibia a venda de terras aos estrangeiros. Robert Lansing, então secretário de Estado, justificou a prolongada e feroz ocupação militar explicando que a raça negra é incapaz de se governar por si mesma, que possui “uma tendência inerente à vida selvagem e uma incapacidade física de civilização”. Uno dos responsáveis pela invasão, William Philips, havia elaborado anteriormente a sagaz idéia: “Esse é um povo inferior, incapaz de conservar a civilização que tinham deixado os franceses”.
O Haiti havia sido a pérola da corona, a colônia mais rica da França: uma grande plantação de açúcar, com força de trabalho escrava. No espírito das leis, Montesquieu o havia explicado sem travas na língua: “O açúcar seria demasiado caro se não trabalhassem os escravos para sua produção. Esses escravos são negros desde os pés até a cabeça e têm o nariz tão esmagado que é quase impossível ter deles alguma pena. Resulta impensável que Deus, que é um ser muito sábio, tenha posto uma alma e sobretudo uma alma boa num corpo inteiramente negro”.
Em troca, Deus havia colocado um chicote na mão do feitor. Os escravos não se distinguiam por sua vontade de trabalho. Os negros eram escravos por natureza e vadios também por natureza; e a natureza, cúmplice da ordem social, era obra de Deus: o escravo devia servir ao amo e o amo devia castigar o escravo, que não mostrasse o menor entusiasmo na hora de cumprir com o desígnio divino. Karl von Linneo, contemporâneo de Montesquieu, havia retratado o negro com precisão científica: “Vagabundo, desocupado, negligente, indolente e de costumes dissolutos”. Mais generosamente, outro contemporâneo, David Hume, havia comprovado que o negro “pode desenvolver certas habilidades humanas, como o papagaio que fala algumas palavras”.
A humilhação imperdoável
Em 1803, os negros do Haiti ocasionaram uma tremenda derrota às tropas de Napoleão Bonaparte e Europa não perdoou jamais essa humilhação infligida à raça branca. O Haiti foi o primeiro país livre das Américas. Os Estados Unidos haviam conquistado antes sua própria independência, porém conservava ainda meio milhão de escravos trabalhando nas plantações de algodão e de tabaco. Jefferson, que era senhor de escravos, dizia que todos os homens são iguais, mas também dizia que os negros foram, são e serão inferiores.
A bandeira dos livres se içou sobre as ruínas. A terra haitiana havia sido devastada pele monocultura do açúcar e arrasada pelas calamidades da guerra contra a França. Uma terça parte da população havia caído em combate. Então, começou o bloqueio. A nação recém nascida foi condenada à solidão. Ninguém comprava dela, ninguém lhe vendia, ninguém a reconhecia.
O delito da dignidade
Nem mesmo Simão Bolívar, que soube ser tão valente, teve a coragem de assinar o reconhecimento diplomático do país negro. Bolívar poderia ter reiniciado sua luta pela independência americana, quando já havia derrotado a Espanha, graças ao apoio do Haiti. O governo haitiano lhe havia entregado sete navios, muitas armas e soldados, com a única condição que Bolívar libertasse os escravos, uma idéia que ao Libertador não lhe passava pela cabeça. Bolívar cumpriu com esse compromisso, porém depois de sua vitória, quando já governava a Grande Colômbia, deu as costas ao país que o havia salvado. E quando convocou as nações americanas para a reunião do Panamá, não convidou o Haiti, mas sim a Inglaterra.
Os Estados Unidos reconheceram o Haiti depois de sessenta anos do final da guerra de independência, enquanto Etienne Serres, um gênio francês da anatomia, descobria em Paris que os negros são primitivos porque possuem pouca distância entre o umbigo e o pênis. Naquele instante, o Haiti já estava nas mãos de carniceiras ditaduras militares, que destinavam os famélicos recursos do país para pagar a dívida com ex-metrópole: a Europa havia imposto ao Haiti a obrigação de pagar à Francia una indenização gigantesca, como modo de ver-se perdoado por ter cometido o delito da dignidade.
A história do assédio contra o Haiti, que em nossos dias tem dimensões de tragédia, é também una história do racismo na civilização ocidental.
Publicado em 15 de Janeiro de 2010
http://www.cubadebate.cu/opinion/ 2010/01/15/ los-pecados- de-haiti/
quarta-feira, 6 de janeiro de 2010
Deus te salve casa santa...
Para rememorar costumes quase esquecidos do nosso povo brasileiro,
mando-lhes este abraço de Dia de Reis. Papai Noel, de fato, é um invasor do
dia de Natal, um intruso, um usurpador que chegou ao Brasil por meio dos
ricos fazendeiros que rapidamente se tornaram importadores de costumes
americanos e europeus no começo do século vinte. Foi nas anotações antigas
de um desses grandes fazendeiros que encontrei as primeiras referências a
Papai Noel e à árvore de Natal.
Mas, na tradição do povo, o Dia de Reis era o dia em que se dava presentes
às crianças, para celebrar a visita dos Magos e o lugar da criança no
imaginário cristão. O Dia de Reis era, de fato, o primeiro dia da memória
cristã, o dia em que Jesus foi adorado porque reconhecido pela primeira vez,
o dia em que foi acolhido e então se fez homem.
Hoje esse lugar é ocupado pelo próprio Papai Noel.
E presente era doce, feito em casa, por mães e avós que procuravam esconder
a elaboração das dádivas. Nos presentes havia muito açúcar e muito amor. A
nossa verdadeira tradição popular do ciclo natalino vem da Europa do
Mediterrâneo – Portugal, Espanha, Itália. Não tem a malícia da compra e da
venda. Apenas a ternura ingênua de pessoas que faziam com as próprias mãos e
temperavam com o coração.
Perdemos a memória e trocamos de costumes: Papai Noel tomou conta do nosso
imaginário, com seu saco de mercadorias, agente do mercado, das vendas e do
lucro. Tomou o lugar inocente e belo dos Santos Reis, doadores de coisas
boas e saborosas feitas em casa.
No tempo das celebrações dos Santos Reis, o que media a vida era a fartura.
Pobre era quem não tinha o que comer, mas tinha amigos, aquele que,
portanto, podia ser ajudado pela comunidade, pela família, pela vizinhança,
e, nos momentos adversos, no mutirão comunitário para plantar e para colher.
Com Papai Noel chegou-nos uma nova concepção de pobreza e de humanidade.
Pobre é quem não pode comprar coisas que só existem no mercado. O pobre do
tempo de Papai Noel é o carente, aquele que não tem poder de compra, aquele
que não tem dinheiro. O nosso novo afeto tem medida, é quantitativo, mede-se
em moeda corrente. Pobre é quem é pobre de acesso àquilo que o capital
produz e vende.
É muito pobre essa pobreza! E muito triste.
Papai Noel mudou também a infância. Criança hoje é o imaturo que já maneja a
malícia da compra e da venda. A criança é hoje o objeto da mercadoria, não é
mais sujeito de coisa alguma. Nos tempos da festa dos Santos Reis, as
crianças não eram objeto, eram objetivo. Cada doce era um abraço, um
encontro, um beijo de ternura.
Deus te salve casa santa...
*José de Souza Martins*
São Paulo, 6 de janeiro de 2002
*P.S. Você pode ver este vídeo, gravado em 6 de janeiro 1999, com a Folia de
Reis de seu Simão, de 92 anos de idade, no bairro da Freguesia do Ó, em São
Paulo-SP, durante o rito da visita a uma casa de família na Rua Morais
Navarro. Uma bela surpresa esse registro, em plena metrópole, de um
antigo ritual da religiosidade da roça.*
**
http://www.youtube.com/watch?v=zs77F-unVHs&feature=related* *
Os Urbanitas
http://www.aguaforte.com/antropologia
mando-lhes este abraço de Dia de Reis. Papai Noel, de fato, é um invasor do
dia de Natal, um intruso, um usurpador que chegou ao Brasil por meio dos
ricos fazendeiros que rapidamente se tornaram importadores de costumes
americanos e europeus no começo do século vinte. Foi nas anotações antigas
de um desses grandes fazendeiros que encontrei as primeiras referências a
Papai Noel e à árvore de Natal.
Mas, na tradição do povo, o Dia de Reis era o dia em que se dava presentes
às crianças, para celebrar a visita dos Magos e o lugar da criança no
imaginário cristão. O Dia de Reis era, de fato, o primeiro dia da memória
cristã, o dia em que Jesus foi adorado porque reconhecido pela primeira vez,
o dia em que foi acolhido e então se fez homem.
Hoje esse lugar é ocupado pelo próprio Papai Noel.
E presente era doce, feito em casa, por mães e avós que procuravam esconder
a elaboração das dádivas. Nos presentes havia muito açúcar e muito amor. A
nossa verdadeira tradição popular do ciclo natalino vem da Europa do
Mediterrâneo – Portugal, Espanha, Itália. Não tem a malícia da compra e da
venda. Apenas a ternura ingênua de pessoas que faziam com as próprias mãos e
temperavam com o coração.
Perdemos a memória e trocamos de costumes: Papai Noel tomou conta do nosso
imaginário, com seu saco de mercadorias, agente do mercado, das vendas e do
lucro. Tomou o lugar inocente e belo dos Santos Reis, doadores de coisas
boas e saborosas feitas em casa.
No tempo das celebrações dos Santos Reis, o que media a vida era a fartura.
Pobre era quem não tinha o que comer, mas tinha amigos, aquele que,
portanto, podia ser ajudado pela comunidade, pela família, pela vizinhança,
e, nos momentos adversos, no mutirão comunitário para plantar e para colher.
Com Papai Noel chegou-nos uma nova concepção de pobreza e de humanidade.
Pobre é quem não pode comprar coisas que só existem no mercado. O pobre do
tempo de Papai Noel é o carente, aquele que não tem poder de compra, aquele
que não tem dinheiro. O nosso novo afeto tem medida, é quantitativo, mede-se
em moeda corrente. Pobre é quem é pobre de acesso àquilo que o capital
produz e vende.
É muito pobre essa pobreza! E muito triste.
Papai Noel mudou também a infância. Criança hoje é o imaturo que já maneja a
malícia da compra e da venda. A criança é hoje o objeto da mercadoria, não é
mais sujeito de coisa alguma. Nos tempos da festa dos Santos Reis, as
crianças não eram objeto, eram objetivo. Cada doce era um abraço, um
encontro, um beijo de ternura.
Deus te salve casa santa...
*José de Souza Martins*
São Paulo, 6 de janeiro de 2002
*P.S. Você pode ver este vídeo, gravado em 6 de janeiro 1999, com a Folia de
Reis de seu Simão, de 92 anos de idade, no bairro da Freguesia do Ó, em São
Paulo-SP, durante o rito da visita a uma casa de família na Rua Morais
Navarro. Uma bela surpresa esse registro, em plena metrópole, de um
antigo ritual da religiosidade da roça.*
**
http://www.youtube.com/watch?v=zs77F-unVHs&feature=related* *
Os Urbanitas
http://www.aguaforte.com/antropologia
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