domingo, 12 de dezembro de 2010

Esta noite de espera deixa-me uma aberta para


o exterior

e o interior. Não distingo claramente. Talvez

grandes máscaras deterioradas, agrafes metálicos;

as sandálias dos mortos torcem-se na humidade,

movem-se sozinhas como se caminhassem sem pés

- não caminham;

e essa grande rede do banho, quem a teceu?

nó a nó - não se desfaz -, negra - não é a mãe.



Uma sombra imensa alonga-se por cima das ar-

cadas;

uma pedra destaca-se e cai na ravina - no entanto

ninguém caminhou -

e depois nada; e subitamente um ramo quebrado

pelo peso ligeiro do céu. As rãs

saltam, ágeis e mudas, na erva húmida. Silêncio.

No poço caem ratos cor de cinza, afogam-se;

constelações espessas movem-se lentamente; dei-

tam-se fora

coisas que os banquetes abandonam, ânforas, taças,

espelhos e cadeiras.

ossos de animais, liras e diálogos inteligentes. Os

poços nunca enchem.

Dir-se-ia que dedos de fogo, dedos de orvalho

passam sucessivamente pelo nosso peito,

descrevendo círculos inquiridores em torno dos

nossos mamilos

e também nós flutuamos de círculo em círculo,

em torno dum centro

desconhecido, indefinido e no entanto definido;

círculos infindáveis

em torno dum grito mudo, em torno duma facada;

e a faca

mergulha, creio, no nosso coração e este torna-se

o centro

como o poste no meio da eira, na colina,



e em torno os cavalos, as espigas, os malhadores,

os condutores

e as ceifeiras entre as medas, com a cabeça da

lua nos ombros,

ouvindo o relincho dos cavalos até ao extremo

do seu sono,

ouvindo os touros urinar nos salgueiros e nas

silvas

e os pés inumeráveis da centopeia e do cântaro,

o rastejar da serpente tranquila nos olivais

e o crepitar da pedra ardente que se contrai ao

arrefecer.


Yannis Ritsos. poemas. Selecção e Trad. de Egito Gonçalves. Prefácio de Carlos Porto. 1ª ed. Fevereiro, 1984. Editora Limiar., p.72/3

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