domingo, 12 de dezembro de 2010

Elegia I - CIÚME

Mulher carinhosa, que verteu marido morto desejas

E de seus grandes ciúmes ainda te queixas.

Se inchado de veneno jazesse no seu último leito,

O corpo coberto por uma crosta cauterizada,

Aspirando o ar, tão rouco e rápido, como pode

Cravejar o mais ágil músico;

Com repugnante vomitado, pronto a expelir

A alma para fora de um Inferno, adentro de novo,

Feito surdo pelos urros uivantes dos parentes pobres

A implorar, com poucas e falsas lágrimas, grandes legados,

Não chorarias, mas alegre e prazenteira estarias

Como um escravo, que amanhã fosse libertado.

Porém tu choras, quando o vês engolir avidamente

A sua própria morte, o ciúme que envenena o coração.

Oh, agradece-lhe muito, ele é bem-educado,

Pois suspeitando, amavelmente nos avisou

Que não devemos, como usávamos, troçar abertamente

Da sua deformidade com enigmas de escárnio;

Nem estando juntos à sua mesa sentados,

Com palavras, toques, ou olhares de viés, adulterar;

Nem quando ele, inchado e satisfeito pela comezaina

Se senta, e ressona, enjaulando-se na cadeira de verga,

Deveremos nós outra vez usurpar-lhe a cama,

Nem beijarmo-nos e brincar na casa dele, como dantes.

Agora vejo grandes perigos; porque aquele é

O seu reino, o seu castelo, a sua diocese.

Mas - como os homens invejosos que insultariam

O seu Príncipe, ou lhe cunhariam o ouro, para outro país

A si próprios se exilam, e aí o fazem - ,

Se brincarmos noutra casa, que teremos a temer?

Ali zombaremos dos comportamentos caseiros,

Das suas intrigas cegas, e espiões a soldo,

Como o fazem os habitantes da margem direita do Tamisa

Ao Mayor de Londres, ou os alemães ao orgulho do Papa.





John Donne in Elegias Amorosas. Edição Bilingue. Trad. Helena Barbas, Assírio & Alvim, 1997

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