CLARICE LISPECTOR :
— Um dia eu fui de madrugada ao mar sozinha, não tinha
ninguém na praia, eu entrei na água, só tinha um cachorro preto mas longe de
mim!
Ele olhou-a com atenção, a princípio como se não entendesse
que significado invulgar poderia haver naquela declaração emocionada. Afinal
como se tivesse compreendido, perguntou devagar:
— Gostou?
— Gostei, respondeu com humildade, e de vergonha seus olhos
se encheram de lágrimas que não caíam, só faziam com que parecessem duas poças
plenas. Não, corrigiu-se depois, procurando o termo exato, não é que tenha
gostado. É outra coisa.
— Melhor ou pior que gostar?
— Foi tão diferente que não posso comparar. Ele examinou-a
um instante:— Sei, disse depois.
E acrescentou simples:
— Eu te amo.
Ela olhou-o com olhos obscurecidos mas seus lábios
estremeceram. Ficaram em silêncio por um momento.— Teus olhos, disse ele
mudando inteiramente de tom, são confusos mas tua boca tem a paixão que existe
em você e de que você tem medo. Teu rosto, Lóri, tem um mistério de esfinge:
decifra-me ou te devoro.
Ela se surpreendeu de que também ele tivesse notado o que
ela via de si mesma no espelho.
— Meu mistério é simples: eu não sei como estar viva.
— É que você só sabe, ou só sabia, estar viva através da
dor.
— É.
— E não sabe como estar viva através do prazer?
— Quase que já. Era isso o que eu queria te dizer.
Houve uma pausa longa entre os dois. Quem parecia emocionado
agora era Ulisses. Chamou o garçom, pediu mais uma dose. Depois que o garçom se
afastou, ele disse num tom de voz como se tivesse mudado de assunto e no
entanto o assunto era o mesmo:
— Pois eu tive que pagar a minha dívida de alegria a um
mundo que tantas vezes me foi hostil.
— Viver, disse ela naquele diálogo incongruente em que
pareciam se entender, viver é tão fora do comum que eu só vivo porque nasci. Eu
sei que qualquer pessoa diria o mesmo, mas o fato é que sou eu quem está
dizendo.
— Você ainda não se habituou a viver? perguntou Ulisses com
intensa curiosidade.
— Não.
— Então é perfeito. Você é a verdadeira mulher para mim.
Porque na minha aprendizagem falta alguém que me diga o óbvio com um ar tão
extraordinário. O óbvio, Lóri, é a verdade mais difícil de se enxergar — e para
não tornar grave a conversa acrescentou sorrindo — já Sherlock Holmes sabia
disso.
— Mas é triste só enxergar o óbvio como eu e achá-lo
estranho. É tão estranho. De repente é como se eu abrisse minha mão fechada e
dentro descobrisse uma pedra: um diamante irregular em estado bruto. Oh Deus,
eu já nem sei mais o que estou dizendo.
Ficaram em silêncio.
— Nunca falei tanto, disse Lóri.— Comigo você falará sua
alma toda, mesmo em silêncio. Eu falarei um dia minha alma toda, e nós não nos
esgotaremos porque a alma é infinita. E além disso temos dois corpos que nos
será um prazer alegre, mudo, profundo.
Lóri, para a surpresa encantada de Ulisses, enrubesceu.
Ela examinou-a profundamente e disse:
— Lóri, você está vermelha e no entanto já teve cinco
amantes.
Ela abaixou a cabeça, não em culpa, mas numa infantilidade
de criança que esconde o rosto. Foi o que Ulisses pensou e seu coração bateu de
alegria. Porque ele estava infinitamente mais adiantado na aprendizagem: ele
reconhecia em si a alegria e a vitória.
De novo ficaram em silêncio. Como se sentisse que haviam
falado mais do que ela no presente, poderia suportar, Ulisses tomou dessa vez
um tom mais leve e casual:
— Há quanto tempo você se formou, quero dizer, para ser
professora?
— Cinco anos.
— Tudo com você é cinco? perguntou sorrindo. Aposto que você
era a primeira da turma.
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