terça-feira, 16 de abril de 2013


Rubens Jardim

 "Como todo país de cultura rala, o Brasil parece ter pressa em enterrar os seus poetas. A uns sepulta, ainda vivos, na indiferença pela sua obra; a outros, depois de mortos, no pronto esquecimento do pouco que se leu deles. Quando falo de poetas, não estou evidentemente me referindo à chusma de rabiscadores de papel que usurpam o título por sua conta e risco. Refiro-me aos happy few --se cabe o adjetivo otimista-- cuja marca de fábrica ficou reconhecivelmente gravada no registrode patentes de poesia brasileira. Jorge de Lima pertence a essa seleta minoria. No ano passado, por ocasião do primeiro centenário do seu nascimento, o que ainda resta da nossa destroçada imprensa literária voltou a se ocupar dele, após tê-lo esquecido durante tantos anos.Tanto quanto sei, faz tempo que a poesia e a prosa de ficção de Jorge de Lima estão ausentes das livrarias. Pelo menos em edições acessíveis,visto a edição Aguilar de sua obra completa --por sinal há anos fora de catálogo--estar longe de fazer jus ao qualificativo. Felizmente, tal descaso editorial acaba de ser remediado em parte. Isso graças à publicação, pela Global, da coletânea Os Melhores Poemas de Jorge de Lima, na série dirigida por Edla Van Steen." (José Paulo Paes. O Estado de São Paulo, 6/08/1994)

LAMPADA MARINHA
As noites ficarão imensas.
A tristeza das coisas será cada vez mais profundas.
Agora passeias nos jardins intemporais.
E aqui, as noites serão imensas
e a solidão do mundo terá uma estatura infinita.
Vejo-te desaparecendo, como arrastada por linhas divergentes,
desfazendo-te misteriosamente como uma sombra na tarde.
Bruxuleias muito longe, lâmpada marinha,
sob a última ventania que te varreu da terra.
As noites ficarão imensas, oh, ficarão imensas!
Imóvel, jazes entretanto, recostada e serena
e tudo ainda está em ti, a mesma boca amarga,
os mesmos olhos imprecisos, os mesmos cabelos
de teus inúmeros retratos.
E através dessa inimaginável quietude serena
desdobra-se a tua meninice e ainda guardas as mãos translúcidas
da primeira comunhão, os lábios tímidos de noiva quase impúbere
e a sequência fotográfica de quando ampliaste os teus seios
e teu ventre e tua alma para conter um filho.
Ah, as noites serão imensas,
e a tristeza das coisas encherá o mundo!
Agora frequentas os tempos infinitos e ilimitados de Deus.
Mas ainda repousas teu corpo na última noite que te arrastou da vida.
São os mesmos seios, a mesma fronte, a mesma boca desmaiada,
a mesma sequência de retratos que se interrompeu enfim.
Não há um só pedaço de carne nem um membro sequer que te pertença mais:
Deus te raptou em tua totalidade.
E enquanto tudo em ti parou para nós,
tu és a dançarina que ele arrebatou dos homens e absorveu em Si.
E as noites ficarão imensas e mais tristes.

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