terça-feira, 16 de abril de 2013

ALTA NOITE QUANDO ESCREVEIS



Alta noite, quando escrevei um poema qualquer
sem sentirdes o que escreveis,
olhai vossa mão --que vossa mão não vos pertence mais;
olhai como parece uma asa que viesse de longe.
Olhai a luz que de momento a momento
sai entre os seus dedos recurvos.
Olhai a Grande Mão que sobre ela se abate
e a faz deslizar sobre o papel estreito,
com o clamor silencioso da sabedoria,
com a suavidade do Céu
ou com a dureza do Inferno!
Se não credes, tocai com a outra mão inativa
as chagas da mão que escreve.

AS PALAVRAS RESSUSCITARÃO
As palavras envelheceram dentro dos homens
separadas em ilhas,
as palavras se mumificaram na boca dos legisladores;
as palavras apodreceram nas promessas dos tiranos;
as palavras nada significam nos discursos dos homens públicos.
E o Verbo de Deus é uno mesmo com a profanação dos homens de Babel,
mesmo com a profanação dos homens de hoje.
E, por acaso, a palavra imortal há de adoecer?
E, por acaso, as grandes palavras semitas podem desaparecer?
E, por acaso, o poeta não foi designado para vivificar a palavra de novo?
Para colhê-la de cima das águas e oferecê-la outra vez aos homens do
continente?
E, não foi ele apontado para restituir-lhe a sua essência
e reconstituir o seu conteúdo mágico?
Acaso o poeta não prevê a comunhão das línguas
quando o homem reconquistar os atributos perdidos com a Queda,
e quando se desfizerem as nações instaladas depois de Babel?
Quando toda a confusão for desfeita,
o poeta não falará, do ponto em que se encontrar,
a todos os homens da terra, numa só língua -- a linguagem do
Espírito.
Se por acaso viveis mergulhados no momento e no limite,
não me compreendereis, irmão!
(poemas do livro A Túnica Inconsútil, de Jorge de Lima-1893-1953)



COMENTÁRIOS SOBRE JORGE DE LIMA
"Com exceção de Manuel Bandeira é Jorge de Lima o único poeta contemporâneo
do Brasil cuja obra acompanha e evidencia todas as fases de evolução da poesia brasileira moderna". (Otto Maria Carpeaux, Introdução da Obra Poética de Jorge de Lima,1958)
" Não sei se Invenção de Orfeu ficará como um soberbo monumento isolado, ou se engendrará uma posteridade de poetas. O trabalho de exegese do livro terá que ser
lentamente feito, através dos anos, por equipes de críticos que o abordem com amor, ciência e intuição e não apenas com um frio aparelhamento analítico. Nada terão a
dizer de positivo certos críticos que abordam um texto de poesia como se tivessem de produzir uma ficha de estatística."

 (Murilo Mendes, Os trabalhos do poeta, A Manhã, Rio de Janeiro,24/07/1952)


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