terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Carta de um Contratado

Eu queria escrever-te uma carta

amor

uma carta que dissesse

deste anseio

de te ver

deste receio de te perder

deste mais que bem querer que sinto

deste mal indefinido que me persegue

desta saudade a que vivo todo entregue…



Eu queria escrever-te uma cara

amor

uma carta de confidências íntimas

uma carta de lembranças de ti

de ti

dos teus lábios vermelhos como tacula

dos teus cabelos negros como dilôa

dos teus olhos doces como macongue

dos teus seios duros como maboque

do teu andar de onça

e dos teus carinhos

que maiores não encontrei por aí…



Eu queria escrever-te uma carta

amor

que recordasse nossos dias na capôpa

nossas noites perdidas no capim

que recordasse a sombra que nos caía dos jambos

o luar que se coava das palmeiras sem fim

que recordasse a loucura

da nossa paixão

e a amargura nossa separação…



Eu queria escrever-te uma carta

amor

que a não lesses sem suspirar

que a escondesses de papai Bombo

que a sonegasses a mamãe Kieza

que a relesses sem a frieza

do esquecimento

uma carta que em todo Kilombo

outra a ela não tivesse merecimento…



Eu queria escrever-te uma carta

amor

uma carta que te levasse o vento que passa

uma carta que os cajus e cafeeiros

que as hienas e palancas

que os jacarés e bagres

pudessem entender

para que se o vento a perdesse no caminho

os bichos e plantas

compadecidos de nosso pungente sofrer

de canto em canto

de lamento em lamento

de farfalhar em farfalhar

te levasse puras e quentes

as palavras ardentes

as palavras magoadas da minha carta

que eu queria escrever-te amor…



Eu queria escrever-te uma carta…

Mas ah meu amor, eu não sei compreender

por que é, por que é, por que é, meu bem

que tu não sabes ler

e eu – Oh! Desespero – não sei escrever também!

António Jacinto (1924-1991); Angola.

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