terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Canção de amor de uma negra[Black Woman's Love Song]

Eu te cantei canções de amor

enquanto eles nos jogaram

juntos

entre as baratas e os ratos

no porão do navio negreiro.



Eu te cantei canções de amor

quando naquele buraco fétido

eu te ajudei a ficar vivo

para enfrentar a luta no novo mundo.



Eu te cantei canções de amor

quando eles nos colocaram

à venda no leilão

e te levaram para o leste

me arrastando para o norte.



Eu te cantei canções de amor

entre os meus gritos

de dor

te implorando

Por favor nunca te esqueças de mim.



Eu te cantei canções de amor

quando eles me levaram

para ser sua concubina

e te levaram

para ser seu garanhão.



Eu te cantei canções de amor

até quando eu deixei

de ser a concubina deles

mas não pudeste deixar de ser

seu garanhão.



Eu te cantei canções de amor

quando a backra-massa ¹

nos jogou pra fora de nossas terras

pagas com nosso suor e sangue.



Eu te cantei canções de amor

quando tu disseste

“Se não podemos vencê-los

vamos nos unir a eles”

e ficaste com a backra-missus ².



Eu te cantei canções de amor

quando tivemos nossas cabeças

quebradas

juntos

nas demonstrações pelo direito

de falar, de fazer greve

de politizar

de organizar.



Eu te cantei canções de amor

quando tu choraste no meu peito

e eu esfreguei ervas medicinais

nos teus ferimentos

ambos

esquecendo

que os meus próprios intestinos estavam rasgados

e rasgados de feridas.



Eu te cantei canções de amor

quando pegamos em armas

contra o inimigo

para resgatar nossa dignidade.



Eu te cantei canções de amor

mesmo quando tu renegaste

o nosso filho

concebido com a tua semente apressada

disparada no meu útero

num dia de folga.



Eu te cantei canções de amor

depois da guerra

quando trabalhamos juntos

para reconstruir um povo inteiro

e um país livre.



Eu te cantei canções de amor

quando tu me disseste

que eu já não era esperta o suficiente

para freqüentar os jantares de Estado

para os quais tu já eras convidado.



Eu continuo te cantando

canções de amor

mesmo quando canções de ódio

ameaçam sufocar até a minha alma.



Eu te canto canções de amor

homem-negro

para que tu possas entender

que eu te quero

forte

do meu lado

me cantando canções de amor também.


Elean Thomas (1947-2007); Jamaica.





In: BARON, Dan. Alfabetização cultural. São Paulo: Alfarrábio, 2004. (Tradução do autor)



Notas:

¹ O latifundiário na Jamaica.

² A esposa do latifundiário

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