sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Ao contrário do que se poderia acreditar, a matematização das ciências sociais não é totalmente acompanhada da desumanização, como Claude Lévi-Strauss declarou neste documento de arquivo, datado de 8 de agosto de 1956. A civilização tecnológica não é uma civilização à parte. A humanização é baseada em todos os humanos e todas as ciências.




O problema levantado aqui não implica, de maneira alguma, no reconhecimento de que as ciências sociais sejam um campo próprio ou que sejam definidas por características especiais. As ciências sociais merecem um lugar separado, próximo às humanidades por um lado e às ciências naturais por outro? Elas oferecem qualquer originalidade real, à parte de – como se tem dito – não serem mais sociais que outras ciências e muito menos científicas?

Mesmo nos Estados Unidos, onde a divisão tripartite entre ciências humanas, ciências sociais e ciências naturais pareceu ter sido solidamente estabelecida há meio século, novas categorias estão aparecendo. Assim, as ciências do comportamento reúnem as três ordens na medida em que elas diretamente interessem aos seres humanos. E ainda assim, a melhor tradução de ciências do comportamento para o francês é: "ciências da conduta humana", o que significa que há um retorno à distinção dual, que tem sido tradicional na Europa desde o Renascimento: por um lado, as ciências naturais, que lidam com o mundo objetivo; por outro lado, as humanidades, que lidam com os seres humanos e o mundo em relação a eles.



Esses problemas metodológicos têm uma importância imediata para o nosso debate: se as ciências sociais devem ser consideradas como ciências separadas, sua contribuição à humanização da civilização não é óbvia, ela precisa ser demonstrada. Se, por um lado, as ciências sociais não são diferentes da pesquisa tradicionalmente realizada em nome das ciências humanas, se, portanto, elas se situam dentro do campo das humanidades, é auto-evidente que qualquer coisa sobre seres humanos é "humanizante" simplesmente porque é "humano". De acordo com uma ou outra concepção, sua contribuição ao progresso também parecerá diferente. Na primeira hipótese, essa contribuição será concebida usando o modelo de engenharia: estudar um problema, determinar as dificuldades e construir uma solução usando as técnicas apropriadas. A ordem social é considerada como um dado objetivo, que apenas precisa ser melhorado. Ao contrário, no segundo caso a ênfase é colocada sobre a tomada de consciência: simplesmente o fato de se julgar uma ordem como ruim ou imperfeita a humaniza, como se a emergência de uma crítica já significar mudança.

O que é, portanto, a característica comum nas pesquisas que são classificadas sob o nome de ciências sociais? Todas elas estão ligadas à sociedade e ao desenvolvimento do conhecimento sobre a sociedade; mas não pelas mesmas razões. Às vezes, são problemas cujas características são tão únicas, que se escolhe isolar um dos outros, a fim de resolvê-los melhor: tal como o direito, a ciência política e as ciências econômicas. Outras vezes, procura-se estudar fenômenos comuns a todas as formas de vida social, mas alcançando-os em um nível mais profundo: essa é a ambição compartilhada pela sociologia e a psicologia social. Finalmente, quer-se à vezes adicionar ao conhecimento tipos de atividades que são muito remotas, no tempo ou no espaço, e essa pesquisa pertence ao campo da história ou da etnologia. Singularidade, profundidade, distância: três formas de resistência dos fatos sociais que as disciplinas correspondentes tentam superar de maneira paralela, mas utilizando meios diferentes.

As três formas não têm a mesma base. É fato que vários séculos nos separam da Idade Média e vários milhares de quilômetros nos separam das sociedades melanésias. Ao contrário, é uma convenção que os sistemas políticos ou econômicos estejam suficientemente isolados do resto para justificar disciplinas separadas. Tem sido legitimamente possível defender que essa divisão dos fenômenos sociais leva à desumanização, de várias maneiras.

Ciências sociais: uma manipulação gratuita de símbolos?


Pode-se primeiramente perguntar se todos os fenômenos sociais se beneficiam do mesmo grau de realidade e se alguns deles (aqueles abordados aqui) não são uma ilusão, uma espécie de fantasmagórico coletivo. O problema é então saber se certos níveis podem ser isolados ou se não dependem de outros níveis com os quais mantêm relações dialéticas. Finalmente, a ciência sempre postula a coerência de seu objeto. Se as ciências sociais em questão são definidas por referência a um pseudo-objeto, elas não consistem meramente em uma espécie de jogo, uma gratuita manipulação de símbolos? Estaríamos então na área da mistificação, o que é exatamente o contrário da humanização.

E, no entanto, a mistificação também é uma operação humana. Qualquer que seja o grau de realidade que reconhecemos nos sistemas legais e políticos e qualquer que seja a função objetiva que eles desempenham na vida das sociedades, esses sistemas são produtos da mente. Por meio do estudo de suas estruturas e seus mecanismos de funcionamento e por meio do estabelecimento de sua tipologia, aprendemos pelo menos alguma coisa. Por exemplo, como o espírito humano trabalha para dar uma forma racional (seja ela apenas na aparência) àquilo que não a possui. Se as ciências correspondentes são mesmo ciências (quer dizer, se elas são realizadas com verdadeira objetividade), o conhecimento que elas reúnem é humanizante, uma vez que eles permitem aos seres humanos se tornarem conscientes do funcionamento real da sociedade.

"Sempre abaixo e além das ciências sociais, a etnologia não pode ser nem dissociada das ciências naturais nem das ciências humanas. Sua originalidade consiste na união dos métodos de ambas, a serviço de um conhecimento generalizado dos humanos, ou seja, a antropologia."
O caso da ciência econômica é especialmente significativo, uma vez que, em sua forma liberal, ela tem sido acusada de manipular abstrações. Mas, nas ciências sociais, como em qualquer outra ciência, a abstração pode ser entendida de duas maneiras. Freqüentemente, ela é usada como pretexto para uma divisão arbitrária da realidade concreta. A ciência econômica já foi vítima desse erro no passado. Por outro lado, as recentes tentativas de aplicar a matemática moderna (chamada de "qualitativa") à teoria econômica têm conduzido a um resultado notório: quanto mais a teoria se tornava matemática e, portanto, – aparentemente – abstrata, mais ela envolvia objetos históricos e concretos, como a substância do seu formalismo. Nenhuma forma de pensamento econômico burguês está mais próxima das concepções marxistas do que o tratamento altamente matemático apresentado por von Neumann e Morgenstern, em 1944, na Teoria dos Jogos e o Comportamento Econômico. Para eles, a teoria é aplicada à sociedade dividida entre grupos rivais e entre os quais existem antagonismos e coalizões. Contrário ao que se imaginaria, a matematização das ciências sociais não é acompanhada por uma desumanização. Ela corresponde ao fato de que, dentro de cada disciplina, a teoria tende a se tornar mais e mais geral. Por meio da expressão matemática, a ciência econômica, a sociologia e a psicologia descobrem uma linguagem comum. É possível que se veja rapidamente que essa linguagem comum é possível, pois os objetos aos quais ela é aplicada são, na realidade, idênticos.

Essa mesma conexão "humanista" ocorre na psicologia e na sociologia. Portanto, ao se estudarem os mecanismos da vida subconsciente, os psicanalistas fazem uso de um simbolismo que é, na realidade, o mesmo daquele usado por psicólogos sociais e lingüistas, na medida em que linguagem e estereótipos sociais também são baseados nas atividades subconscientes da mente.

Vale a pena focar nessa convergência das ciências sócias por um momento. Primeiramente, nossas ciências se tornaram isoladas a fim de se tornarem mais profundas. Mas, a certa profundidade, ela conseguiram se unir umas às outras. Portanto, pouco a pouco, em uma área objetiva, tomou forma a antiga hipótese filosófica da união do espírito humano ou, mais exatamente, da existência universal da natureza humana. Não importa de que ângulo o abordamos: seja ele individual ou coletivo, em suas expressões que são aparentemente as menos controláveis ou percebido por meio de instituições tradicionais, vemos que o espírito obedece as mesmas leis, sempre e em qualquer lugar.

A terceira onda


A etnologia e a história nos colocam na presença de uma evolução do mesmo tipo. Acreditou-se por muito tempo que a história objetivava apenas recriar o passado com exatidão. Na realidade, a história, assim como a etnologia, estuda sociedades que são diferentes daquelas nas quais vivemos. Ambas buscam alargar a experiência específica para as dimensões de uma experiência que é geral, que portanto se torna mais acessível aos indivíduos de outro país ou de um outro tempo.

Como a história, a etnologia é parte de uma tradição humanista. Mas seu papel é criar, pela primeira vez, o que pode ser chamado de humanismo democrático. Após o humanismo aristocrático do Renascimento, fundado apenas sobre a comparação das sociedades grega e romana (porque nenhuma outra era conhecida) e do humanismo exótico do século XIX, que adicionou as civilizações do Oriente e do Extremo Oriente (mas apenas por meio de documentos escritos e de monumentos figurativos), a etnologia aparece como a terceira onda – sem dúvida alguma – pois, de todas as ciências sociais, ela é a mais característica do mundo finito no qual se tornou nosso planeta no século XX. A etnologia faz um apelo a todas as sociedades humanas a fim de desenvolver um conhecimento global de todos os humanos. E, melhor ainda, as características diferenciadas dessas sociedades "residuais" têm levado a etnologia a criar novos tipos de conhecimento, os quais, como percebemos gradualmente, podem ser proveitosamente aplicados ao estudo de todas as civilizações, inclusive a nossa. Ela opera simultaneamente na superfície e com profundidade.

A civilização tecnológica não é uma civilização à parte


Na ausência de textos escritos e de monumentos figurativos, essas formas de conhecimento são tanto mais externas e mais internas (também se pode dizer mais grossas e mais finas) que aquelas formas de conhecimento das outras ciências sócias: por um lado o estudo desde o exterior (a antropologia física, a pré-história, a tecnologia) e, por outro lado, o estudo desde o interior (identificação da etnologia com o grupo cuja existência ele compartilha). Sempre abaixo e além das ciências sociais, a etnologia não pode ser nem dissociada das ciências naturais nem das ciências humanas. Sua originalidade consiste na união dos métodos de ambas, a serviço de um conhecimento generalizado dos humanos, ou seja, a antropologia.

Sob o risco de contradizer o título dessa aula, não é se declarando social e se isolando do resto que nossas disciplinas serão capazes de humanizar a civilização, e sim tentando ser mais científicas. A civilização tecnológica não é uma civilização separada que requer a invenção de técnicas especiais para a sua melhoria. A humanização da vida social não é tarefa de uma profissão. Ela depende de todos os indivíduos e de todas as ciências.

Humanizar a civilização tecnológica é, primeiramente, colocá-la em perspectiva na história global da humanidade e então analisar e entender as forças geradoras de seu advento e seu funcionamento. Em todos os casos, conseqüentemente: conhecer. A contribuição de nossas ciências será avaliada não por meio de métodos dúbios que estão sujeitos aos caprichos do dia, mas de acordo com as novas perspectivas que essas mesmas ciências serão capazes de abrir à humanidade, de modo que a mesma possa entender melhor sua própria natureza e sua história e, portanto, também julgá-la.

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