sábado, 4 de março de 2017

Cadernos do cárcere

"A relação entre os intelectuais e o mundo da produção não é imediata, como ocorre no caso dos grupos sociais fundamentais, mas é 'mediatizada', em diversos graus, por todo o tecido social, pelo conjunto das superestruturas, do qual os intelectuais são precisamente os 'funcionários'. Seria possível medir a 'organicidade' dos diversos estratos intelectuais sua conexão mais ou menos estreita com um grupo social fundamental, fixando uma gradação das funções das superestruturas de baixo para cima (da base estrutural para o alto). Por enquanto, podem-se fixar dois grandes 'planos' superestruturais: o que pode ser chamado de 'sociedade civil' ( isto é, o conjunto de organismos designados vulgarmente como 'privados') e o da 'sociedade política ou Estado', planos que correspondem, respectivamente, à função de 'hegemonia' que o grupo dominante exerce em toda a sociedade e àquela de 'domínio direto' ou de comando, que se expressa no Estado e no governo 'jurídico'. Estas funções são precisamente organizativas e conectivas. Os intelectuais são os 'prepostos' do grupo dominante para o exercício das funções subalternas da hegemonia social e do governo político, isto é:
1) do consenso 'espontâneo' dado pelas grandes massas da população à orientação impressa pelo grupo fundamental dominante à vida social, consenso que nasce 'historicamente' do prestígio (e, portanto, da confiança) obtida pelo grupo dominante por causa de sua posição e de sua função no mundo da produção;
2) do aparelho de coerção estatal que assegura 'legalmente' a disciplina dos grupos que não 'consentem", nem ativa nem passivamente, mas que é constituído para toda a sociedade na previsão dos momentos de crise no comando e na direção, nos quais desaparece o consenso espontâneo.
Esta colocação do problema tem como resultado uma ampliação muito grande do conceito de intelectual, mas só assim se torna possível chegar a uma aproximação concreta à realidade."


Antonio Gramsci. Caderno 12. In: Cadernos do cárcere. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000. v. 2. p.20-21.

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