Um mundo de ladrões. O escândalo da Fifa-CBF coloca o
cidadão brasileiro, uma vez mais, em contato com importantíssimos instrumentos
jurídicos utilizados com eficácia, sem os quais a impunidade vira regra e os
potentes e poderosos acumulam fortunas em odor de falcatruas e crimes. Em 2010,
a Fifa contratou o procurador federal aposentado Michael Garcia para investigar
as suas atividades e negócios, em tempo de variadas suspeitas. No fundo, o
velho golpe de colocar alguém de respeito e passado irretocável para acalmar as
águas e sustentar o discurso oficial da máxima transparência. No “calcio
italiano”, também em busca de credibilidade, a Federazione Italiana Giuoco
Calcio (FIGC) apelou para o aposentado Francesco Saverio Borrelli,
procurador-chefe da célebre Operação Mãos Limpas.
Durante dois anos Garcia realizou trabalho de fôlego,
produziu relatório conclusivo de 350 páginas e mais de 200 mil páginas de
documentos. A Fifa, então, aproveitou apenas 42 páginas, engavetou o restante e
propalou a lisura das escolhas de Rússia e Catar para os Mundiais. Lógico, o
aposentado Garcia ficou enfurecido e, pelo que se sabe, desabafou com James
Comey, seu amigo e antecessor na função de procurador, ou melhor, de attorney do
Southern District of New York. Atenção: a apuração sobre o recente escândalo
Fifa e as sete prisões preventivas de cartolas ocorridas em Zurique, na
antevéspera da reeleição de Joseph Blatter, baseou-se em trabalho de Comey.
Mais: Garcia e Comey trabalharam juntos, na Corte Federal do Brooklin-Nova
York, com Loretta Lynch, a secretária de Justiça do governo Obama.
Coube a Loretta, com base em acordo bilateral de cooperação
com a Confederação Helvética, disparar os mandados internacionais para as
prisões e providenciar pedidos de extradições aos EUA, incluído o de José Maria
Marin. Como se estivesse diante de um puzzle, o procurador Comey e a secretária
Loretta buscaram, além de dados telemáticos de movimentações reveladoras de
crimes consumados em território norte-americano, com violações de legislações
fiscal e bancária, os relatos de Chuck Blazer, já dirigente da Confederação de
Futebol da América do Norte, Central e Caribe (Concacaf), e do empresário
brasileiro José Hawilla.
Passo atrás: em 1963 foi apresentado a Robert Kennedy, na
função de secretário da Justiça dos EUA, Joe Valachi, membro de uma organização
criminosa nascida entre 1930 e 1931 e formado por imigrantes italianos de Nova
York. Valachi queria falar sobre uma sociedade secreta chamada Cosa Nostra, de
origem sículo-americana e do seu bando, tratado pelo apelido de famiglia, sob
comando do famoso delinquente Vito Genovese. Com longas penas, preso e
condenado por homicídio, que o levaria à pena de morte. Valachi propôs acordo
com a Justiça americana. Propunha-se entregar os membros e as atividades da
potente Cosa Nostra nova-iorquina. Em troca, pretendia evitar a pena capital e
obter proteção para não ser assassinado pela organização.
O caso Valachi transformou-se em pedra angular para uma nova
e eficiente política criminal nos Estados Unidos, com muitos institutos
premiais como, por exemplo, da delação premiada, proteção a testemunhas e aos
colaboradores de Justiça, além das interceptações eletrônicas de conversações,
incluídas as escutas telefônicas e as ambientais, e o sequestro de bens de
procedência criminal. Também o fim do sigilo bancário em casos de interesse
investigatório (Lei Rico).
Chuck Blazer, conhecido no mundo futebolístico por “senhor
10%”, foi o Joe Valachi da Concacaf e da Fifa, pois nesta, delatou a compra de
votos nas eleições. A partir de 1968, o Direito norte-americano passou a
contar, como instrumento de autocomposição de litígios penais, com o instituto
da plea bargaining, a pôr fim a espúrios acordos na polícia, chamados de
agreement, e a levar a arquivamentos.
Segundo estudo recente, 80% dos processos criminais são
resolvidos, em casos exclusivos de primários, pelo plea bangaining, onde
obtêm-se vantagens por um plea of guilty (declaração de culpa do acusado a
respeito de um delito negociado). A plea bargaining foi utilizada no processo
James Earl Ray, assassino de Martin Luther King. E também no caso Alford, na
Carolina do Norte e para este obter desclassificação de crime de homicídio em
primeiro grau, sancionado com pena de morte. A aplicação da barganha teve lugar
em face do acidente de Chappaquiddick, a envolver o então embriagado senador
Edward Kennedy, que, num acidente automobilístico, matou a secretária-amante e
não lhe prestou socorro. O empresário José Hawilla acertou suas contas na
Justiça americana por meio do plea bargaining: devolveu dinheiro e entregou
como eram realizadas “negociatas” a render propinas a altos dirigentes
esportivos. Como os suspeitos João Havelange, Ricardo Teixeira e José Maria
Marin.
O atual presidente da CBF, Marco Polo Del Nero, deixou
Zurique preventivamente para, no Brasil, defender o seu cargo e negar
participação no propinoduto da CBF. Em síntese, apenas com institutos jurídicos
modernos o Estado Nacional, pela Polícia Federal e o Ministério Público,
poderão contrastar a criminalidade dos potentes e poderosos. Veremos se em
casos como o da CBF, a responsabilidade criminal recairá sempre num
bandeirinha-laranja.
Walter Fanganiello Maierovitch
Carta Capital
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