sexta-feira, 5 de junho de 2015

Futebol, o seu mundo de ladrões e os instrumentos jurídicos modernos de contraste




Um mundo de ladrões. O escândalo da Fifa-CBF coloca o cidadão brasileiro, uma vez mais, em contato com importantíssimos instrumentos jurídicos utilizados com eficácia, sem os quais a impunidade vira regra e os potentes e poderosos acumulam fortunas em odor de falcatruas e crimes. Em 2010, a Fifa contratou o procurador federal aposentado Michael Garcia para investigar as suas atividades e negócios, em tempo de variadas suspeitas. No fundo, o velho golpe de colocar alguém de respeito e passado irretocável para acalmar as águas e sustentar o discurso oficial da máxima transparência. No “calcio italiano”, também em busca de credibilidade, a Federazione Italiana Giuoco Calcio (FIGC) apelou para o aposentado Francesco Saverio Borrelli, procurador-chefe da célebre Operação Mãos Limpas.
Durante dois anos Garcia realizou trabalho de fôlego, produziu relatório conclusivo de 350 páginas e mais de 200 mil páginas de documentos. A Fifa, então, aproveitou apenas 42 páginas, engavetou o restante e propalou a lisura das escolhas de Rússia e Catar para os Mundiais. Lógico, o aposentado Garcia ficou enfurecido e, pelo que se sabe, desabafou com James Comey, seu amigo e antecessor na função de procurador, ou melhor, de attorney do Southern District of New York. Atenção: a apuração sobre o recente escândalo Fifa e as sete prisões preventivas de cartolas ocorridas em Zurique, na antevéspera da reeleição de Joseph Blatter, baseou-se em trabalho de Comey. Mais: Garcia e Comey trabalharam juntos, na Corte Federal do Brooklin-Nova York, com Loretta Lynch, a secretária de Justiça do governo Obama.
Coube a Loretta, com base em acordo bilateral de cooperação com a Confederação Helvética, disparar os mandados internacionais para as prisões e providenciar pedidos de extradições aos EUA, incluído o de José Maria Marin. Como se estivesse diante de um puzzle, o procurador Comey e a secretária Loretta buscaram, além de dados telemáticos de movimentações reveladoras de crimes consumados em território norte-americano, com violações de legislações fiscal e bancária, os relatos de Chuck Blazer, já dirigente da Confederação de Futebol da América do Norte, Central e Caribe (Concacaf), e do empresário brasileiro José Hawilla.
Passo atrás: em 1963 foi apresentado a Robert Kennedy, na função de secretário da Justiça dos EUA, Joe Valachi, membro de uma organização criminosa nascida entre 1930 e 1931 e formado por imigrantes italianos de Nova York. Valachi queria falar sobre uma sociedade secreta chamada Cosa Nostra, de origem sículo-americana e do seu bando, tratado pelo apelido de famiglia, sob comando do famoso delinquente Vito Genovese. Com longas penas, preso e condenado por homicídio, que o levaria à pena de morte. Valachi propôs acordo com a Justiça americana. Propunha-se entregar os membros e as atividades da potente Cosa Nostra nova-iorquina. Em troca, pretendia evitar a pena capital e obter proteção para não ser assassinado pela organização.
O caso Valachi transformou-se em pedra angular para uma nova e eficiente política criminal nos Estados Unidos, com muitos institutos premiais como, por exemplo, da delação premiada, proteção a testemunhas e aos colaboradores de Justiça, além das interceptações eletrônicas de conversações, incluídas as escutas telefônicas e as ambientais, e o sequestro de bens de procedência criminal. Também o fim do sigilo bancário em casos de interesse investigatório (Lei Rico).
Chuck Blazer, conhecido no mundo futebolístico por “senhor 10%”, foi o Joe Valachi da Concacaf e da Fifa, pois nesta, delatou a compra de votos nas eleições. A partir de 1968, o Direito norte-americano passou a contar, como instrumento de autocomposição de litígios penais, com o instituto da plea bargaining, a pôr fim a espúrios acordos na polícia, chamados de agreement, e a levar a arquivamentos.
Segundo estudo recente, 80% dos processos criminais são resolvidos, em casos exclusivos de primários, pelo plea bangaining, onde obtêm-se vantagens por um plea of guilty (declaração de culpa do acusado a respeito de um delito negociado). A plea bargaining foi utilizada no processo James Earl Ray, assassino de Martin Luther King. E também no caso Alford, na Carolina do Norte e para este obter desclassificação de crime de homicídio em primeiro grau, sancionado com pena de morte. A aplicação da barganha teve lugar em face do acidente de Chappaquiddick, a envolver o então embriagado senador Edward Kennedy, que, num acidente automobilístico, matou a secretária-amante e não lhe prestou socorro. O empresário José Hawilla acertou suas contas na Justiça americana por meio do plea bargaining: devolveu dinheiro e entregou como eram realizadas “negociatas” a render propinas a altos dirigentes esportivos. Como os suspeitos João Havelange, Ricardo Teixeira e José Maria Marin.
O atual presidente da CBF, Marco Polo Del Nero, deixou Zurique preventivamente para, no Brasil, defender o seu cargo e negar participação no propinoduto da CBF. Em síntese, apenas com institutos jurídicos modernos o Estado Nacional, pela Polícia Federal e o Ministério Público, poderão contrastar a criminalidade dos potentes e poderosos. Veremos se em casos como o da CBF, a responsabilidade criminal recairá sempre num bandeirinha-laranja.

 Walter Fanganiello Maierovitch

Carta Capital

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