Eu não quero decepcionar quem espera um espetáculo para
saber o que fazer ou mesmo para fugir, mas o autogolpe não virá com o som de
tiros para o alto, tanques nas ruas e com o fechamento do Congresso em meio a
aplausos de uma minoria fanática e sem máscaras. Esse estilo não sobrevive no mundo
de hoje, e o ladrão não vai entrar pela frente, com a sala cheia.
O autogolpe não vai acontecer, ele está acontecendo,
encontra-se em curso e quem ainda não se deu conta disso não conseguirá
perceber uma virada mais radical no poder do presidente quando ela acontecer.
Quando a ficha cair, já aconteceu, talvez há um bom tempo.
Há poucos anos, declarações como a que o presidente fez hoje
já seriam um marco da virada, uma declaração de autogolpe. Ele desafiou os
Poderes da República, disse que chegou no limite e que vai partir para a ação
em nome da liberdade e da Constituição, qual ditador não defende a liberdade e
a Constituição? Hoje seria o dia em que a democracia foi declarada e
oficialmente derrubada. Ou o dia histórico em que a democracia derrubou e
prendeu um presidente que de peito aberto e no exercício de suas funções
desafiou o regime.
Mas nós não encaramos assim, não vimos como uma declaração
de autogolpe porque desde o ano passado lemos e ouvimos absurdos e mais
absurdos, e insistimos na tese de que as instituições são fortes e responderão.
Elas não estão respondendo, a não ser com notas de repúdio, estão corroídas e
intimidadas, e ficarão ainda mais, mas sobreviverão na fachada, na casca. Elas
não serão fechadas e as ameaças disso parecem fazer parte dessa estratégia.
O que deve acontecer a partir de agora não é hollywoodiano.
Devem ocorrer mais Marielles em Brasília e em todos os cantos, deixando
parlamentares de oposição acuados e com medo de frentes que contenham o tirano.
Deve ocorrer uma corrupta ação com o corrupto Centrão para a eleição de um
presidente fantoche da Câmara, fazendo com que a Casa não seja mais um
obstáculo para decretos e leis inconstitucionais e autoritárias.
O STF, acovardado, não será capaz de dar respostas aos
desmandos, o controle da PF e de outros aparelhos de Estado vai ocorrer com
outras nomeações, pois o que não falta é gente disposta a isso, as leis
estapafúrdias entrarão em vigor e o controle será maior um pouquinho a cada
dia, a perseguição será um pouquinho maior a cada dia, e as declarações do
presidente continuarão como sempre foram, destemperadas e agressivas, e com
ministros dizendo que protestos e declarações deste tipo fazem parte da
democracia. Barroso, claramente amedrontado, acaba de falar exatamente isso na
Globonews.
As milícias que já tomam conta de territórios ampliarão
silenciosamente seus poderes e áreas de atuação, serão armadas e dificilmente
desafiadas por poderes democráticos, sob pena de rápidas execuções e
desaparecimentos. Estes não serão feitos pelos aparelhos de Estado, o trabalho
sujo será feito por elas. Paras as Forças Armadas ensaia-se o papel da soberana
Rainha da Inglaterra.
Em desdobramentos mais radicais, mas não creio que num
futuro muito à frente, haverá um estrangulamento feroz de veículos de imprensa
e acomodação com os que se aliarem e, em seguida, controle da Justiça Eleitoral
para, em nome da liberdade e da democracia, tornar os "comunistas"
ilegais, pois eles buscam a ditadura, e controlar o processo eleitoral.
E, acreditem, no meio disso tudo muitos ainda vão temer que
a qualquer momento aconteça um autogolpe. Outros, por sua vez, continuarão
apoiando o presidente e pedindo um novo AI-5.
Leonardo Valente
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