Nunca os vencedores de uma guerra haviam procedido como os
Aliados contra os líderes nazistas: nem retaliação, nem um pacto de paz, mas um
grande processo, desbravando terra virgem no direito internacional.
Réus diante do
tribunal militar em Nurembergue (1946)
Em 1º de outubro de 1946 foram proclamadas as sentenças do
processo de Nurembergue: 22 dos réus nazistas foram condenados à morte na
forca, sete a cumprir pena no presídio de Spandau para crimes de guerra, e três
foram absolvidos.
Não se tratava apenas do ponto final de um grande processo,
que envolvera a apresentação de 2.630 documentos e os depoimentos de 270
testemunhas, todos registrados em 27 mil metros de fita magnética e 7 mil
discos fonográficos. Era também a conclusão de uma estreia jurídica mundial: um
tribunal militar fizera justiça.
Nunca antes, déspotas haviam sido submetidos a um direito
mais elevado do que eles. Em nome do direito internacional, a liderança
hitlerista fora obrigada a assumir responsabilidade por seus atos, justamente
em Nurembergue, a cidade das convenções partidárias e dos grandes desfiles
propagandísticos dos nacional-socialistas. E não por eles terem perdido a
Segunda Guerra Mundial, mas por a haverem iniciado.
Iniciativa dos Estados Unidos
Do ponto do vista jurídico, o processo era terra virgem.
Nurembergue não teria sido possível sem um consenso básico entre os Aliados
sobre como harmonizar os diferentes sistemas legais das potências vencedoras.
Um ano antes, portanto, criaram-se as bases jurídicas para o
julgamento. Em 8 de agosto de 1945, na capital britânica, Estados Unidos,
França, Reino Unido e União Soviética assinaram a Carta de Londres, um acordo
de direito internacional estabelecendo a ordem processual a ser aplicada.
Segundo os participantes desses encontros, as seis semanas
de deliberações foram caóticas, também do ponto de vista formal. Nesse
contexto, foi importante ter uma mesa quadrada, em que as quatro potências
pudessem acomodar suas delegações, numericamente idênticas.
A ideia de processar os líderes nazistas partira de
Washington. Como força impulsionadora da ação, em plena guerra os americanos já
dispunham de informações secretas sobre os crimes contra a população civil
cometidos pelos alemães e seus aliados do Leste Europeu.
Local dos processos: sala 600 do Palácio da Justiça de
Nurembergue
Uma nova ordem jurídica mundial
Três anos antes do julgamento, Robert Kempner, um dos
promotores, se confrontara com a questão: como seria possível provar esses
crimes? Em Nurembergue, contudo, constatou-se que a apresentação de provas não
era o problema, já que os nazistas haviam documentado com minúcia burocrática
grande parte das próprias atrocidades.
Bastava, então, condenar os culpados. Já em 1943, na
Conferência de Teerã, o dirigente soviético Josef Stalin se pronunciara a favor
de um processo sumário: reunir os 50 mil principais nazistas e fuzilá-los.
No fim, optou-se por um grande processo. Em Londres
estipularam-se os pontos centrais da acusação: planejamento e execução de uma
guerra de agressão, violação das leis marciais (ou seja: crimes de guerra) e
crimes contra a humanidade. Esta última categoria jurídica fora especialmente
criada nessa ocasião.
Desse modo, os Aliados estabeleciam uma ordem de direito
internacional que vinha substituir os princípios da Paz da Vestfália de 1648,
após o fim da Guerra dos Trinta Anos. Até então, os Estados soberanos podiam
fazer o que quisessem com seus cidadãos, assim como guerrear enquanto se
sentissem em condição de fazê-lo.
Com a Carta de Londres e o julgamento de Nurembergue, essa
noção de direito foi abolida. Sabendo contar com o respaldo do presidente Harry
Truman, o promotor-chefe dos Estados Unidos, Robert Jackson, tinha uma visão grandiosa:
"a ordem do mundo segundo os princípios do Direito".
Réus seguros de si
Tratava-se de um empreendimento sem garantias de sucesso.
Ainda durante os interrogatórios, Hermann Göring, comandante-chefe da Força
Aérea alemã e principal líder nazista no banco dos réus de Nurembergue,
acreditava-se juridicamente inatacável: "Tudo o que aconteceu no nosso
país não é, em absoluto, da alçada dos senhores", zombou. Depois que ele
se declarou inocente nos termos da acusação, o tribunal lhe vetou futuros pronunciamentos.
Seguro de si, o réu Hans Frank, ex-governador-geral da
Polônia ocupada, sintetizou o dilema jurídico em questão em seu depoimento: era
impossível fazer frente ao hitlerismo com meios legais, já que "o próprio
Hitler se colocou de fora de toda ordem legal".
Avaliações como essa fizeram até o primeiro-ministro
britânico Winston Churchill duvidar do projeto de Nurembergue, propondo que
nazistas capturados fossem "fuzilados sem serem entregues a uma autoridade
mais alta".
Deutschland Nürnberger Prozesse
(picture-alliance/dpa)
Principais acusados Hermann Göring, Rudolf Hess e Joachim
von Ribbentrop
"Culpa de Hitler"
Os réus não se sentiam seguros apenas do ponto de vista da
lei: uma constante em quase todos os depoimentos era a tentativa de relativizar
a própria culpa ou de negá-la cabalmente, escondendo-se atrás de Adolf Hitler,
como relataria Johann Schätzler, assistente da defesa de Rudolf Hess,
vice-chanceler do Reich.
Contudo, essa estratégia inicial se esvaziou no decorrer do
processo, depois que as revelações dos sobreviventes confirmaram a
monstruosidade da máquina de destruição dos nazistas.
A confrontação com os fatos deixou marcas. Albert Speer,
ministro do Armamento do gabinete nazista, decidiu cooperar e enviou uma carta
ao chefe da acusação Robert Jackson. Hans Frank, que semeara morte na Polônia,
adotou a religião e quis ser batizado na prisão. Rudolf Hess, o vice de Hitler,
alegou ter perdido a memória.
Somente Hermann Göring representou consequentemente seu
papel, falastrão, empedernido, vaidoso. E, no fim, covarde, escapando da
execução através do suicídio.
De Nurembergue a Haia
Quando, 70 anos atrás, em 1º de outubro de 1946, o juiz
britânico lord Geoffrey Lawrence encerrou o processo do século após a leitura
das sentenças, sem qualquer discurso final, era a grande a esperança, entre os
especialistas de direito penal e internacional de agora dispor de uma arma
jurídica contra os crimes internacionais.
No entanto essa expectativa não se confirmou, em grande
parte devido à Guerra Fria que se anunciava. Tal situação só se alterou em 1989
e 1991, quando os delitos contra civis na Iugoslávia e em Ruanda incentivaram a
retomada da ideia de penalizar os crimes internacionais em massa.
Em Haia, Holanda, criaram-se dois tribunais para tratar
especificamente das violações em cada um dos países, além da convenção sobre a
Corte Penal Internacional. No entanto, a reativação de um tribunal
internacional foi significativamente enfraquecida: por um lado, diversos
Estados negaram seu apoio, por outro os EUA, China e Israel se recusaram a
ratificar o estatuto da Corte.
Por isso continua indefinido se os veredictos de Haia jamais
serão avaliados de forma tão positiva como os de Nurembergue. No entanto, para
além das considerações jurídicas, 70 anos atrás "o Direito aconteceu"
naquela cidade do sul da Alemanha – como resumiu o historiógrafo Karl Dietrich
Erdmann.
Tribunais de Nurembergue promoveram o direito internacional
Exigindo que seus princípios legais fossem criados praticamente
do zero, julgamento dos principais líderes nazistas em 1945 estabeleceu bases
para julgar crimes internacionais, e influencia a consciência global até hoje.
(06.08.2015)
1945: Início dos julgamentos de Nurembergue
Poucos meses após o fim da Segunda Guerra Mundial e do
suicídio de Adolf Hitler, alguns de seus principais colaboradores sentaram no
banco dos réus, em 20 de novembro de 1945, para serem julgados por crimes de
guerra. (01.01.1970)
1946: Nazistas condenados pelo Tribunal de Nurembergue são
executados
Em 16 de outubro de 1946 foram executadas em Nurembergue dez
penas de morte contra representantes do regime nazista. Também condenado,
Hermann Göring, o "nazista número 1", havia se suicidado na véspera.
(01.01.1970)
Data 01.10.2016
Autoria Volker Wagener
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