sábado, 27 de agosto de 2016

A hora é de lutar por direitos


Publicado em Quarta, 17 Agosto 2016 15:04

Jacy Afonso*

Em 1988, a nova Constituição aprovou uma legislação sindical contraditória. Por um lado, se avançou na conquista da liberdade de organização sindical e, por outro, se tentou conciliar conceitos antagônicos, mantendo os parâmetros autoritários do modelo sindical brasileiro, através da unicidade sindical.

Mesmo assim há que se reconhecer que houve avanços na Constituinte: fim da carta sindical, do estatuto padrão e do voto obrigatório nas eleições sindicais; revogação da lei que permitia a intervenção em entidade sindical; assegurou à entidade sindical o direito de definir o processo eleitoral, a duração do mandato, o número de diretores e a elaboração dos estatutos; o sindicato deixou de exercer função delegada pelo poder público, desobrigando-se de praticar assistencialismo ou prestar contas ao governo; a entidade sindical passou a ter autonomia para definir sua receita e despesa, sem estar sujeita à fiscalização, exceto de seu filiados; os servidores ganharam o direito de se organizar em sindicato, em igualdade de condições com os trabalhadores da iniciativa privada e a participação sindical nas negociações coletivas tornou-se obrigatória.

No final da década de 80 viveu-se um período de confusão. Porque a manutenção da unicidade sindical apesar da vigência da liberdade sindical, tornava praticamente obrigatória a fiscalização por parte de alguma instância que certifica que não havia duplicidade de reapresentação.

Sucederam-se decretos e portarias ministeriais que atendiam a um e outro lado e na falta de uma solução, processos foram se acumulando na Justiça do Trabalho. As interpretações muitas vezes eram casuísticas ou políticas e podiam funcionar como instrumento de contenção de algumas das lutas sindicais. Uma situação esdrúxula onde a aplicação do princípio constitucional da liberdade sindical era interpretado com base na CLT, que teoricamente havia sido suplantada pela nova Constituição.

Em 2002, o programa de governo lançado pelo candidato Luiz Inácio Lula da Silva se comprometia a encaminhar um amplo debate sobre a reforma da estrutura sindical brasileira e afirmava que o primeiro passo seria "reconhecer as centrais sindicais como interlocutores dos interesses dos trabalhadores."

Em 2003 foi instalado o Fórum Nacional do Trabalho (FNT), de composição tripartite, com o objetivo de promover a democratização das relações de trabalho e atualizar a legislação trabalhista, tornando-a mais compatível com as novas exigências do desenvolvimento nacional, de maneira a criar um ambiente propício à geração de emprego e renda.

Em março de 2005 o relatório final da Comissão de Sistematização do FNT deu origem à PEC 369 e um projeto de lei, que foram enviados ao Congresso Nacional. A proposta admitia a pluralidade sindical em todas as instâncias (a opção do tipo de sindicato que se queria ficava a cargo das assembleias das entidades) e falava de critérios para definir a representatividade das entidades sindicais.

Pela primeira vez se propunha o reconhecimento legal das centrais sindicais como instância máxima de representação dos trabalhadores; o direito de constituir suas entidades sindicais, sem autorização prévia, cabendo ao Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) o reconhecimento de representatividade da entidade sindical; a sustentação financeira das entidades sindicais de trabalhadores e de empregadores baseada na contribuição associativa e na contribuição de negociação coletiva (anual). Acabava com as contribuições confederativa e assistencial e determinava a extinção gradativa da contribuição sindical obrigatória (imposto sindical), com regras e prazos diferenciados para as entidades sindicais de trabalhadores e de empregadores.

Por fim o FNT criava o Conselho Nacional de Relações de Trabalho (CNRT), concebido como um órgão tripartite e paritário voltado às questões sindicais e de relações de trabalho.

O reconhecimento das centrais sindicais veio finalmente em 2008, com a aprovação da Lei nº 11.648, que definiu as condições para o reconhecimento da central sindical em termos de quantidade de afiliados, presença geográfica e piso mínimo 7% (sete por cento) do total de empregados sindicalizados em âmbito nacional.

No artigo 3º determinou que a indicação pela central sindical de representantes nos fóruns tripartites, conselhos e colegiados de órgãos públicos em que participe deve ser em número proporcional ao índice de representatividade previsto na lei. O critério de proporcionalidade, bem como a possibilidade de acordo entre as centrais, não poderá prejudicar a participação de outras centrais sindicais que atenderem aos requisitos estabelecidos.

A Lei nº 11.648 representou um avanço rumo a uma estrutura sindical mais democrática no Brasil, mas não alterou o sistema de financiamento sindical. Frente às divergências sobre a mudança, a lei determinou em seu artigo 7º que enquanto não fosse disciplinada a contribuição negocial, vinculada ao exercício efetivo da negociação coletiva e à aprovação em assembleia geral da categoria, continuariam em vigência os artigos 578 a 610 da CLT, que regulam o imposto sindical. Além disso incluiu as centrais sindicais como uma das destinatárias do imposto (10% do montante) e a distribuição atenderia ao grau de representatividade, após aferição realizada pelo MTE.

Em outubro de 2015 o deputado federal Paulo Pereira (também presidente da Força Sindical) propôs a criação de uma Comissão Especial sobre Financiamento da Atividade Sindical, alterando cinco artigos da CLT. Depois de audiências estaduais e reuniões com as centrais sindicais, confederações patronais, Ministério Público e outras representações, o deputado Bebeto (PSB-BA), relator do projeto, apresentou a versão final (no dia 08/07/16) do relatório, o Projeto de Lei (PL) 5.795/2016.

O PL mantém a contribuição sindical e cria a contribuição negocial, cujo valor será definido em assembleia na época de negociação da convenção coletiva, não podendo ultrapassar o teto de 1% da remuneração bruta anual (trabalhadores e empresas). Desse total 80% irá para os sindicatos, 5% para a federação correspondente, 5% para a confederação e 5% para a central sindical.

Outra proposta foi a criação do Conselho de Autoregulação Sindical, uma organização não governamental destinada a fixar parâmetros mínimos sobre temas como eleições sindicais, mandato e transparência de gestão, prestação de contas e certificação, fundação e registro de ente sindical, definição de bases territoriais e de representação de categoria. Receberá 2,5% do volume arrecadado com a Contribuição Negocial.

O Conselho de Autoregulação será formado por duas Câmaras de trabalhadores e de empregadores. E terá uma composição paritária no seu funcionamento pleno.

A Câmara de Trabalhadores será composta por seis representantes de centrais sindicais que atendam os requisitos de representatividade do artigo 2º da Lei nº 11648/2008 e três representantes de confederações de trabalhadores, dentre as legalmente reconhecidas, indicadas de comum acordo dentre elas.

Por fim, o PL 5.795/2016 estende a contribuição sindical ao setor público e determina critérios para a liberação de dirigentes sindicais nesse segmento.

Fortalecer a representação dos trabalhadores
Optamos por fazer um relato dos antecedentes da discussão sobre o financiamento sindical, para que haja ciência das mudanças profundas que a CUT estará assumindo ao apoiar o PL 5.795/2016 tal como está.

O recuo não se dá somente pela manutenção da contribuição sindical e adição da contribuição negocial, mas principalmente pela criação de um organismo como o Conselho de Auto-regulação, que tem sérios problemas em sua própria gênese. Primeiro, trata-se de um organismo não governamental (bi-partite) sem poder de impor suas diretrizes a toda a estrutura sindical, somente às centrais filiadas. O que geraria mais confusão e divisões no meio sindical. Segundo, as dificuldades e riscos de se discutir e decidir sobre temas trabalhistas e sindicais em uma estrutura compartilhada com os empresários. Obviamente esse organismo teria que adotar o consenso como mecanismo de decisão, o que significa ficar paralisado pela impossibilidade de acordo.

Mas principalmente a composição do Conselho pode significar um retrocesso para a CUT, que abre a mão de sua representatividade, passando a ter o mesmo peso que as centrais menores. Isso sem contar com a revitalização do "sistema confederativo" ao incluir na Câmara de Trabalhadores a representação das confederações oficialmente reconhecidas.

Se analisarmos a história recente da CUT veremos que esta sempre propôs que a representação das entidades sindicais nos diferentes fóruns fosse proporcional ao seu tamanho e sempre se opôs ao funcionamento dos conselhos federativos e confederativos, onde cada entidade valia um voto, fosse qual fosse sua representatividade. A CUT sempre demonstrou que essa forma de representação rebaixa o poder político da maioria e não fortalece a democracia.

Devemos relembrar que pouco antes do afastamento da Presidente Dilma foi publicado um Decreto presidencial regulamentando o Conselho Nacional de Relações de Trabalho (CNRT), instância tripartite que vem funcionando desde 2012 e que tem entre suas funções tratar temas como esses. Como ficará o CNRT, organismo criado com nossa participação, depois da criação do Conselho de Autoregulação?

Mas o mais importante comentário que queremos fazer é sobre a falta de oportunidade do debate sobre a contribuição sindical e negocial nesse momento político tão difícil, quando os direitos trabalhistas e sindicais estão sob forte ataque do governo golpista e do Congresso conservador.

O país atravessa uma crise que acumula perda de postos de trabalho (já são 11 milhões de desempregados) e as medidas econômicas anunciadas vão na direção de um ajuste neoliberal. Temos que lutar contra a reforma restritiva da Previdência; contra a regulamentação da terceirização em atividades fim; contra a flexibilização da jornada de trabalho e dos salários; contra o fim da ultratividade das cláusulas negociadas nos convênios coletivos; contra a prevalência do negociado sobre o legislado e outras questões legislativas.

Temos que lutar contra a privatização do patrimônio público, começando pelo Pré sal, pelos Correios e outros ativos e, principalmente, temos que lutar pela recuperação da democracia derrotando o golpe de abril.

Tudo isso coloca para a CUT uma enorme responsabilidade, a de convidar todas as entidades sindicais e os movimentos sociais para uma luta conjunta e não aceitar retrocessos.

Agora é o momento de fortalecer uma frente democrática e fazer uma articulação com parlamentares que defendam os trabalhadores para que documentos como o programa Ponte para o Futuro não sejam aprovados e os direitos individuais e coletivos sejam fortalecidos.

Não é hora e nem o momento de retroceder politicamente aceitando uma diminuição de sua representatividade e muito menos é hora de gastar a energia sindical em debates sobre medidas que enfraquecem a representação política dos trabalhadores.


(*) Sindicalista. Texto publicado originalmente no portal 247: http://www.brasil247.com/pt/colunistas/jacyafonso/249758/A-hora-%C3%A9-de-lutar-por-direitos.htm

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