quinta-feira, 22 de agosto de 2019

Leitores assassinos




São do renomado intelectual José Castello as seguintes considerações: “Em que medida somos nós, leitores, que destruímos a reputação de um livro? De que maneira leituras apressadas, indiferentes, superficiais, acabam por matar grandes livros?

Sempre achei que o leitor não é só leitor, é coautor dos livros que lê. Coautor, mas também pode ser o assassino dos mesmos livros. Isso sem importar que sejam grande livros, ou pequenos livros”.

Está coberto de razões. Corremos o risco de perdermos o encanto da leitura e o prazer do texto sob a alegação de que não temos tempo para nada e, de modo especial, para a leitura.

O tempo, ou a pseudofalta dele, acabam por gerar pensamentos que são repetidos sem nenhuma espécie de crítica. Alguns desses: ninguém lê mais do que as primeiras páginas de um livro; os capítulos devem ser curtíssimos; o romance está destinado ao desaparecimento; então: ler romances, para quê?; a crônica, porque curta e leve, é o gênero preferido pelo povo etc.

Será mesmo verdade que não temos tempo?

Como explicar, então, o exercício de paciência exigido para as complexas criações do espírito humano, que vão desde as pesquisas para a cura do câncer ao estabelecimento de uma nova teoria a respeito do surgimento do Universo ou, ainda, à elaboração de um consistente pensamento filosófico ou estético?

E agora, mais concretamente: como explicar as seis horas por dia que um jovem dedica à internet, operando jogos sofisticadíssimos? Nada disso seria possível com pressa ou impaciência.

Não nos falta tempo; faltam, sim, interesse e disposição.

O fenômeno trazido à luz por José Castello acaba levando a ações patéticas, como o abandono de uma obra magistral nas primeiras cinco páginas, isso porque ela não nos deu, nessas páginas iniciais, motivos para divertimento fácil e pouco uso da imaginação.

O agente literário nova-iorquino Noah Lukeman, em obra ainda não traduzida no Brasil, The First Five Pages, elabora algumas proposições interessantes. Diz, por exemplo, que as primeiras cinco páginas não terão um fim em si mesmo, mas elas anunciam o quanto um livro pode render. Logo: ler as primeiras cinco páginas como finalidade em si mesma é uma das formas de trucidar o texto.

Quer-se dizer, de maneira sintética: para a conquista de um avanço emocional, cultural ou artístico, é, sim, necessária alguma dose de trabalho e de concentração.

Assim: em vez de assassiná-lo, demos oportunidade ao livro.


LUIZ ANTONIO DE ASSIS BRASIL - 24 Oct 2011 

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