quinta-feira, 22 de agosto de 2019

Escravos da infantilidade



Sábado à tarde, supermercado lotado. No caixa, paciência para os carrinhos abarrotados, mas dessa vez precisei de uma dose extra. À minha frente, ar aparvalhado, um jovem pai de família, forte e normal, esperava imóvel seus produtos passarem no caixa. Em pé, olhar perdido, boca entreaberta, fitava o vazio, só faltava o fio de baba.

Lembrava aquelas crianças carregadas junto com a família para um lugar que não lhes interessa, distraídas, alheias. Nesse supermercado existem empacotadores prestativos, mas eles não davam conta. Não custa ajudar, ir organizando, embalando junto.

No comportamento passivo do meu companheiro de caixa, impossível não evocar a figura do nobre, sendo vestido, banhado, alimentado e conduzido nos braços de seus servos ou escravos, um eterno bebê. Quanto mais evoluídos nos tornamos, caminhamos em direção à autonomia, prescindimos de serviçais. É assim com as crianças, que aprendem a cuidar de si cada vez melhor. Mas será que me comporto diferente quando consigo pagar um hotel mais estrelado?

Quem não curte café na cama macia, toalhas limpas, massagem, chofer? O que é um restaurante, senão ficar sentado enquanto o solícito garçom se dedica a atender nossos caprichos? São ocasiões em que voltamos no tempo, nas quais amar é maternar, cuidar. À vezes, ser independente exaure, queremos um mimo.

Trabalhos associados aos cuidados maternos primários, nos quais adultos adquirem privilégios de crianças, sempre foram desvalorizados. Mulheres, pessoas socialmente desvalorizadas, escravos, ocuparam os bastidores da nossa vergonha.

Na verdade, aquele que abre mão da autonomia também se abstém da liberdade que ela proporciona, da intimidade, da privacidade. Mães, pobres e escravos tornaram-se ralé da vida pública, escondidos no armário de nossa carência afetiva, associados ao medo de ficar sozinhos. A infantilidade é um segredo.

Entregar-se nos braços de alguma comodidade é uma delícia, mas como exceção, descanso de guerreiro, conquista. É gostoso, um luxo que só é tal se não for um hábito. Mas no dia a dia, a dependência é uma forma de alienação, uma existência empobrecida.

Que dizer de alguém, aparentemente crescido, que precisa se fazer adotar pelo primeiro empacotador franzino que encontra pela frente? Por favor, supermercado não é spa, há adultos na fila!


DIANA CORSO -  12 Oct 2011 

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