O discurso político aposta na globalização como solução dos
problemas crônicos da UE. Mas na opinião pública alemã e nas análises
sociológicas, globalização ainda desencadeia visões apocalípticas do futuro.
Manifestantes em Munique, em fevereiro último
Para a maior parte das pessoas do mundo, a globalização não
passa de uma miragem, longe de ser realidade: esta é a tese do economista
francês Daniel Cohen.
Por um lado, os países ricos se confrontariam com outras
sociedades sobretudo através da televisão e de férias exóticas, enquanto os
países pobres seriam bombardeados com imagens de uma riqueza de que não
dispõem.
Em Mondialisation et ses ennemis (2004), Cohen argumenta que
a globalização de hoje, na verdade, é imóvel. Afinal, os imigrantes perfazem
atualmente apenas 3% da população mundial, enquanto em 1913 este índice era de
10%.
O mal necessário
Mesmo assim, a imagem da globalização que se cristaliza na
opinião pública alemã é fortemente vinculada ao temor de deslocamentos
drásticos e da ameaça de uma mobilidade descontrolada.
Protesto de agricultores alemães e franceses contra a
redução da taxação alfandegária de produtos agrícolas, dezembro de 2005
O discurso político europeu tenta propagar que a única saída
para problemas econômicos crônicos da União Européia seria se adaptar com maior
flexibilidade aos desafios da globalização. Mesmo assim, os países-membros
tendem nitidamente para o nacionalismo econômico, bloqueando estratégias de
liberalização até dentro da comunidade.
Em um recente simpósio sobre empresa, Estado e globalização,
realizado em Berlim, o historiador Gerald Feldman defendeu a elaboração de um
cronograma europeu para a solução de problemas como desemprego e imigração. A
abordagem da imigração como um problema marca um debate público que voltou a se
inflamar há alguns meses com o temor de um "choque de civilizações"
entre Ocidente e o mundo islâmico.
Alemães-alemães em extinção
Na Alemanha, esta discussão culminou em visões apocalípticas
sobre o futuro da sociedade, teoricamente ameaçada pela baixa taxa de
natalidade da população puramente alemã e o crescimento das famílias imigradas.
Em 'Complô de Matusalém', livro de 2004, Schirrmacher
tratava do envelhecimento da população
No livro recém-publicado Minimum – Vom Vergehen und
Neuentstehen unserer Gemeinschaft (Minimum – Do Desaparecimento e Ressurgimento
da nossa Comunidade), o jornalista e editor-chefe do Frankfurter Allgemeine
Zeitung, Frank Schirrmacher, esboçou o futuro de uma sociedade em as pessoas terão
poucos ou nenhum parente de sangue, em decorrência do envelhecimento
demográfico e dos múltiplos efeitos da globalização.
A tese do jornalista recebeu críticas por promover visões
sensacionalistas hostis a uma sociedade multicultural, mas veio a calhar para a
política restritiva de imigração e o programa coercivo de integração do governo
democrata-cristão e social-democrata em Berlim.
"Em 2010 haverá tantos estrangeiros quanto jovens
alemães": este o título de uma entrevista da subsecretária de Estado Maria
Böhmer, encarregada do governo federal para assuntos de integração, ao jornal
popular Bild.
A democrata-cristã prevê que, daqui a quatro anos, o índice
de pessoas com menos de 40 anos provindas "de um contexto de
migração", em grande parte sem qualificação profissional, chegará a 50%
nas cidades grandes. A projeção deste cenário como fracasso da sociedade
multicultural desencadeou inúmeras críticas na imprensa alemã.
Estado nacional, não social
O temor de que as identidades locais se dissolvam em decorrência
da globalização levou a uma nova defesa e legitimação do Estado nacional. Para
o sociólogo Ralf Dahrendorf, defensor do liberalismo político, a atual
"moda" de minimizar a importância do Estado nacional diante da
formação de blocos econômicos regionais e de instituições globais é errônea e
até perigosa.
"Apesar da contínua busca de novas identidades –
européias, latino-americanas e outras – e apesar das várias referências a uma
nova cidadania mundial ou até uma 'sociedade global de cidadãos', a maioria das
pessoas se sente em casa em seu país, num Estado nacional a que eles pertencem
como cidadãos", afirmou o sociólogo em artigo publicado no diário
conservador Die Welt.
Tradições políticas extra-nacionais, como o Estado social
europeu, estão sendo questionadas como construção. Num recente simpósio sobre
globalização e cultura social, o teórico de cultura econômica Joachim Zweynert
argumentou que uma cultura social comum da Europa seria apenas uma reação à
crise em que se encontra o continente: "Toda discussão sobre um modelo
social europeu é uma mera tentativa das elites de encontrar sustentação diante
dos desafios da globalização".
O 3º Mundo não é longe daqui?
O temor da dissociação das fronteiras nacionais, culturais e
étnicas vem acompanhado da apreensão por uma possível globalização do
terceiro-mundismo. Para o sociólogo e historiador Reinhart Koessler, o
subdesenvolvimento já perdeu o vínculo territorial e deixou de ser privilégio
do Terceiro Mundo.
Sem-teto na Alemanha
"Os excluídos, discriminados e abandonados das inner
cities da América do Norte e dos banlieues de Paris – assim como aqueles que
vivem nas amplas regiões da África, América Latina e Sudeste Asiático
desvinculadas do mercado mundial – são confrontados com uma realidade impiedosa
semelhante: quem depende – para sua sobrevivência – de ser inserido no contexto
de aproveitamento capitalista está em desvantagem se não conseguir realizar a
exploração de sua própria mão de obra", afirmou o sociólogo em artigo
publicado no diário berlinense taz.
Comparações do gênero dão a pensar por sua falta de
parâmetros reais. E talvez corroborem a opinião de Daniel Cohen de que, nos
países ricos, a globalização é – de fato – sobretudo imaginária.
Sensibilidade islâmica e massas movidas a mídia
Intelectuais atuantes na Alemanha comentam a onda de
violência desencadeada pelas polêmicas charges de Maomé. A dinâmica da mídia é
tão poderosa no contágio das massas, que nem importa mais qual tenha sido o
motivo do conflito.
Autoria Simone de Mello
Assuntos relacionados Lago de Constança, Mercedes-Benz,
Baden-Württemberg, Camarote.21, Cerveja, Alemanha
Palavras-chave globalização, alemanha, opinião, pública,
sociologia, subdesenvolvimento, terceiro mundo
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