terça-feira, 19 de maio de 2015

Invasão do Iraque não foi avaliação errada foi crime premeditado

Paul Krugman : Invasão do Iraque não foi avaliação errada foi crime premeditado .
Folha de São Paulo

Bruno P. W. Reis________É incrível como é raro ver essa obviedade dita com todas as letras na imprensa, seja a americana, seja a de qualquer parte. E é digno de nota que o próprio Paul Krugman hesite ao especular sobre as razões do crime, em vez de ir logo para aquilo que seria intuitivamente óbvio em qualquer lugar: corrupção.

Fabrício Mendes Fialho_____ Veicular isso em época pré-eleitoral manda certamente esse sinal; mas não é nada que já não se saiba há uns bons anos...

Bruno P. W. Reis--------Conversa fiada, Luciano. As alegações em favor da invasão eram ostensivamente fraudulentas, e isso era visível desde os debates na ONU, em busca de autorização. Depois (bem depois) muito mais veio à baila na própria imprensa mainstream americana, como as pressões sobre o pessoal de inteligência para entregar os relatórios que o Pentágono queria. Só que, apesar disso tudo, eles não costumam extrair as conclusões óbvias - e continuam a falar rotineiramente sobre o "erro" que foi a invasão. A tal da "Guerra ao Terror" é uma mina imbatível para produzir bilionários rent-seekers.

José Roberto Bonifácio __________Guerra de independencia tambem teve episodio "false flag". Longa tradição belicista iniciada com a Boston Tea Party...

Bruno P. W. Reis________________Mas, mesmo concedendo o  benefício da dúvida de que as outras fraudes sejam igualmente existentes, todas essas coisas faziam sentido do ponto de vista dos interesses geopolíticos dos Estados Unidos, ou pelo menos daquilo que a "sabedoria convencional" da época acreditava ser esses interesses (essa ressalva é só pra incluir o imenso desastre do Vietnã). A invasão do Iraque, não. É um ato de predação política, que compromete a segurança e os interesses americanos e tira partido do trauma do 11/9 para enriquecer algumas pessoas. É triste, mas é simples assim.
Estou me dando a pachorra de explicar o óbvio só porque o assunto é importante. Os Estados Unidos saíram da depressão com a Segunda Guerra, e ainda assim hesitaram dois anos antes de entrar. A Guerra do Iraque comprometeu a economia, a segurança e a posição geopolítica americana (pra não falar das vidas, que estou cinicamente aceitando tratar como detalhe irrelevante aqui), e ainda assim foi vendida com alegações ostensivamente implausíveis desde o início, sob o silêncio acovardado da "livre" imprensa americana, quando o país já estava engajado no Afeganistão. Um episódio deplorável. Sim, o ponto mais baixo da longa história da atuação militar americana no exterior.

Andre Tavares___________A melhor coisa que aconteceu para os iraquianos foi a invasão do Iraque e a remoção do partido Baath e de Sadam. O problema foi a leniência da administração Obama com os movimentos insurgentes radicais xiitas e sunitas - grupos financiados pelo Irã de um lado, e pela Al-Qaeda, de outro. O ISIS pode ser uma boa coisa no fim das contas: os cristãos iraquianos (o Patriarcado da Babilônia é a igreja mais antiga da história) e os curdos estão formando batalhões e lutando por sua liberdade sem ajuda das potências e sem ter que esperar pelo jogo de interesses no tabuleiro internacional. É engraçado ver a posição da Turquia: está pressionada pelo ISIS, mas não pode ajudar por medo dos curdos em seu território verem nisso uma oportunidade de se juntarem aos curdos do outro lado da fronteira e corrigirem com as próprias mãos um erro histórico e construírem o Curdistão. O que seria, aliás, ótimo - são os verdadeiros muçulmanos moderados. Krugman, um esquerdista safado, está botando na conta da administração Bush, os erros de Obama e de Madame Satã, digo, Hillary Clinton - a mocreia sabia de Benghazi com 10 dias de antecedência.

Bruno P. W. Reis Fácil demais, Andre, ajuizar a milhares de quilômetros de distância o que terá sido ou não melhor para o iraquianos. O que se sabe é que, além dos 200 mil mortos diretamente em combate, estimam 500 mil as mortes indiretas. Que o ISIS possa ser "uma boa coisa no fim das contas" faz caso omisso do simples horror dos assassinatos em larga escala conduzidos contra populações civis de cidades inteiras há poucos meses.

Andre Tavares_________Bruno, é fácil pra mim, mas difícil e muito consciente pro Krugman, né? O ISIS ser uma boa coisa foi uma ironia. Pode não ter ficado claro, mas foi. O que quero dizer é que o que deveria ter sido feito até o final, não foi. Os EUA sempre se sabotam no final - na Segunda Guerra, no Vietnam, na Guerra do Golfo, e agora. A segunda administração Bush foi um desastre, e a pior consequência foi a eleição do Obama. Deixemos pra lá a questão se Obama é ou não agente islâmico, o fato é que ele é fraco, leniente e inconsequente com o Oriente Médio. Precisou tomar um puxão de orelha em casa dada pelo Netanyahu. Voltando ao ISIS, como os EUA nem ninguém sequer entendem o que é o ISIS (é, na verdade, a consequência da Primavera Árabe, patrocinada pelo Obama e a esquerda intelectual europeia, que adora o nacionalismo de esquerda árabe, desde a década de 40), e não entraram em combate contra a ameaça que constitui, salvo a Jordânia, foram os nativos que tiveram que pegar em armas. O melhor que pode acontecer disso, são nações ou territórios autônomos surgirem - de curdos e cristãos, principalmente.
Quem é omisso com o que faz o ISIS não sou eu - é todo mundo. Armaram o circo, um bando de covardes sem culhões, e outro bando de covardes com culhões (pra fazer atrocidades) estão fazendo o que estão fazendo...

Bruno P. W. Reis_________À exceção da dupla Nixon-Kissinger, é provável que os EUA nunca tenham tido, antes ou depois, uma aproximação estratégica sofisticadamente articulada para a política externa, para além de certa retórica embromatória para consumo interno. Obama não é exceção, mas o inevitável "restraint" que ele teve de exercer no pós-Bush acaba tornando ele alvo fácil da retórica mais maniqueísta dos falcões. Duvido que eu te acompanhe na singeleza do diagnóstico da auto-sabotagem no final. Mas essa propensão a não se engajar até as últimas consequências será sempre favorecida se houver pressa em entrar numa guerra evitável no início. A fragilidade política da posição inicial certamente comprometerá a disposição em se pagar um preço alto adiante. E é sensível que a Casa Branca de Bush foi longe demais na sua determinação em contratar guerras. Os presidentes que vierem depois acabam tendo sua posição enfraquecida também por isso.
Quanto à primavera árabe, com todos os desastres que se seguirem, deve ser tida permanentemente no horizonte das possibilidades. A política de simplesmente manter um ditador de estimação em posições convenienetes traz no horizonte a sua contestação, cedo ou tarde. É bom ter uma tática construtiva pra se lidar com isso. Os americanos se deixaram surpreender e não souberam o que fazer - seja com os amigos, seja com os inimigos.

Andre Tavares ___________________Aliás, por que ninguém diz o óbvio ululante sobre o Obama?

Bruno P. W. Reis__________________"Não alimente o seu troll." Hoje cometi o clássico erro de ignorar esse sábio conselho da vida em internet ao interagir com meu nobre Luciano Dias. Eis o resultado. Retórica por retórica, transcrevo abaixo algo que já tinha circulado antes, como resumo de meu ponto de vista. Feito isso, I rest my case.
A invasão do Iraque foi (e ainda é) uma catástrofe quase sob qualquer ponto de vista - incluindo os interesses estratégicos dos Estados Unidos na região e no mundo. A lista das razões é interminável, nem sei por onde começar.
1. A invasão desestabilizou, talvez irreversivelmente, um país-chave no mapa geopolítico do já explosivo Oriente Médio, posicionado exatamente entre as duas potências locais rivais, Irã e Arábia Saudita. Ao remover um governante sunita e inimigo do Irã de um país de maioria xiita, reforçou drasticamente a influência do Irã na região (não chego a achar isso ruim, mas o aliado americano é a Arábia Saudita...).
2. O Iraque não tinha nada a ver com o 9/11, nem abrigava qualquer célula operacional da Al-Qaeda. Estava claríssimo, desde antes da invasão, que ele não tinha as tais "armas de destruição em massa" alegadas. Isso era fácil de adivinhar porque em 1991, depois de dez anos adotado como queridinho do Ocidente por guerrear com o Irã, Saddam Hussein foi varrido do Kuwait em semanas; como é que em 2003, depois de dez anos sob bloqueio aéreo e comercial, ele ia se tornar uma ameaça crível?
3. Neste momento, porém, metade do território iraquiano é controlado (com apoio do exército sunita treinado e armado pelos americanos) pelos lunáticos genocidas do ISIS, que se beneficiaram também do apoio ocidental à rebelião na Síria. Perto do poder de fogo e das ambições políticas do ISIS, a al-Qaeda parece uma célula de adolescentes anarquistas - por maior que seja o gosto deles por ações espetaculares.
4. A guerra ao terror, em si mesma, na sua natureza de guerra sem quartel ou território contra um inimigo potencial e, portanto, indefinidamente temível, já é um monumento ao desperdício de recursos - e custou até hoje a cifra quase inimaginável de cerca de US$ 5 trilhões. Quase a metade disso, porém, foi consumido pela invasão do Iraque sozinha, que já custou aos americanos mais de US$ 2 trilhões. Além de prejudicar a ação no Afeganistão (que se arrasta até hoje, e onde o Talibã permanece ativo e poderoso), a aventura da guerra ao terror, principalmente no Iraque, produziu danos palpáveis à economia dos Estados Unidos, com desdobramentos sensíveis sobre o mundo todo.
5. A invasão do Iraque, anunciada unilateralmente à revelia dos aliados europeus e depois perseguida com ostensivo desrespeito a decisão contrária da ONU, desfez em um ano a rede quase universal de solidariedade aos americanos que se formou após o 9/11. Foram perseguir sozinhos propósitos unilaterais, comprometendo as redes de colaboração diplomática e de inteligência, tão desejáveis para um combate eficaz a ações terroristas internacionais.
6. Saldo humanitário: segundo o que se conseguiu apurar na mídia, cerca de 200 mil iraquianos sofreram morte violenta como consequência direta da guerra. A Universidade de Washington (em Seattle), porém, estima em quase meio milhão o número de mortes, se incluirmos as mortes "naturais" registradas em epidemias e na degradação das condições de vida entre refugiados. Além disso, morreram cerca de 5 mil combatentes entre americanos e seus aliados - número que sozinho, já supera a conta das vítimas do 9/11.
Depois de tanto "esforço", porém, pelo menos controlou-se o terrorismo? Quem dera: segundo a Universidade de Maryland, a atividade terrorista é hoje aproximadamente 6 vezes maior que em 2001, no que toca ao número de mortos: http://www.start.umd.edu/gtd/features/GTD-Data-Rivers.aspx
Eu costumo dizer para os meus alunos que, em análise política, se alguém cometeu uma grande burrice, então é você que não está entendendo. Na premissa caridosa de que eles sabiam o que estavam fazendo, então sobra apenas a possibilidade de que pessoas suficientemente próximas dos nichos decisórios nos Estados Unidos viram boas possibilidade de ir ganhar dinheiro no Iraque, e então foram. E de fato ganharam-se fortunas na operação - como já está abundantemente documentado na imprensa americana. Pra isso, não se importaram de instrumentalizar o trauma dos cidadãos americanos e comprometer a segurança dos próprios contribuintes que pagaram os impostos de onde saiu sua fortuna.

Na minha cabeça, a invasão do Iraque em 2003 é o ponto mais baixo da história dos Estados Unidos. Mais que a guerra com o México, mais que a limpeza étnica feita com os cherokees na Geórgia, mais que o Vietnã, mais que Hiroshima e Nagasaki. Os Estados Unidos têm metade do gasto em defesa do mundo. Deveriam ter responsabilidades com todos nós, mas pelo menos têm responsabilidade com seus eleitores. Em todos esses episódios horríveis, algum argumento plausível (ainda que falso) poderia ser alegado estabelecendo o vínculo com o interesse (pelo menos) dos eleitores americanos. Desta vez, nem isso. Eu espero mais deles.

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