sábado, 9 de novembro de 2013

Espaços em branco

E por mais que seja pequena, toda e qualquer possibilidade permanece. Até um movimento reduzido à aparente ausência de movimento. Um movimento, por exemplo, tão mínimo quanto a própria respiração, o movimento que o corpo faz quando inala o ar. Num livro de Peter Freuchen que eu li uma vez, o famoso explorador do Ártico descreve como ficou preso numa nevasca no norte da Groenlândia. Sozinho, com os mantimentos chegando ao fim, ele decidiu construir um iglu e esperar que a tormenta passasse. Muitos dias se passaram. Com medo, acima de tudo, de ser atacado por lobos - pois ele os ouvia se esgueirar famintos sobre o teto do iglu - ele periodicamente saía e cantava a plenos pulmões para espantá-los. Mas o vento soprava furioso, e por mais que cantasse alto, a única coisa que ele ouvia era o vento. Mas se esse era um grande problema, o problema do iglu era muito maior. Pois Freuchen começou a perceber que as paredes de seu minúsculo abrigo estavam gradualmente se fechando sobre ele. Por causa das condições particulares do tempo lá fora, a respiração dele estava literalmente congelando nas paredes, e com cada exalação, as paredes ficavam mais espessas, o iglu ficava menor, até que por fim mal havia espaço para o corpo dele. É certamente coisa assustadora, a ideia de que a sua respiração possa trancar você num caixão de gelo, e para mim é consideravelmente mais convincente, digamos, O poço e o pêndulo, de Poe. Pois neste caso é o próprio homem que é o agente de sua destruição, e mais ainda, o instrumento daquela destruição é exatamente aquilo de que ele necessita para se manter vivo. Pois é certo que um homem não pode viver se não respirar. Curiosamente, eu não lembro como Freuchen conseguiu escapar dessa dificuldade. Mas é desnecessário dizer que ele escapou.


Paul Auster

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