terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Etiquetas: fotografia, Fotogrfia DAVID HILLIARD


XX



Quem vem lá, ansioso, rude, místico, nu?

Como retiro forças da carne que me alimenta?



Em todo o caso, o que é um homem? Quem sou eu? Quem és tu?



Tudo o que assinalo meu chamarás teu,

Ou então perderias tempo a escutar-me.



Não lamento o que o mundo lamenta,

Que os meses são vazios e a terra apenas lodoçal e imundície.



O queixume e a humilhação juntam-se aos remédios para os inválidos, o

conformismo vai até à quarta geração,

Eu uso o chapéu como me apetece, dentro ou fora de casa.



Porque é que devia rezar? E venerar e ser cerimonioso?



Tendo examinado os estratos, analisando-os ao pormenor, consultando os

mestres, calculando com rigor,

Não encontro gordura mais agradável do que a que tenho agarrada aos meus

próprios ossos.



Em toda a gente vejo-me a mim mesmo, ninguém é mais do que eu, nem um

grão de cereal menos,

E o bem e o mal que digo de mim digo deles.



Sei que sou sólido e são,

Os objectos do universo convergem eternamente para mim,

Tudo foi escrito para mim e devo decifrar o seu sentido.

Sei que sou imortal,

Sei que esta minha órbita não pode ser traçada pelo compasso de um

carpinteiro,

Sei que não me apagarei como o fogo do archote que uma criança leva pela noite.



Sei que sou majestoso,

Não atormento o espírito para quem se defenda ou explique,

Sei que as leis elementares nunca se desculpam,

(No fim de contas, reconheço que o meu orgulho não é mais alto que o nível

onde edifico a minha casa).



Existo como sou, e isso basta,

Se mais ninguém no mundo o sabe fico satisfeito,

E se todos e cada um o sabem fico satisfeito.



Há um mundo que o sabe e é sem dúvida o mais vasto para mim, e esse sou

eu próprio,

E se o reconheço hoje ou dentro de dez mil ou dez milhões de anos,

Alegremente o posso aceitar agora, ou alegremente posso esperar.



O apoio do meu pé é entalhado em granito,

Rio-me daquilo que chamas dissolução,

E conheço a amplitude do tempo.



Walt Whitman

in Canto de Mim Mesmo

Assírio & Alvim, 1999

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