Aonde vai com tanta pressa o cervo escrito
na floresta que escrevi?
Beber da água escrita,
com as letras de seu focinho?
Por que a cabeça se ergue? Escutou algo?
Firme nas quatro patas da verossimilhança,
ele é todo ouvidos em suas orelhas sob meus dedos.
Silêncio – essa palavra ecoa na textura do papel,
fazendo brotar galhos-letras da palavra floresta.
Sobre a folha em branco há outras à espreita
que podem ir pelo mau caminho
formando ameaças com sílabas em riste
às quais nada escapa.
Em cada letra há um estoque considerável
de caçadores com o dedo no cão,
basta um pouco de ação
para cercar o cervo e armar o olho na mira.
Nunca esqueçam que aqui não há vida de verdade.
O preto no branco tem outras leis.
Num piscar de olhos tenho o tempo que eu quiser
e posso dividi-lo em imedíveis eternidades,
cada qual com seu chumbo grosso em pleno voo.
Aqui nada acontece sem meu aval.
Contra minha vontade, nem uma folha cai
e grama alguma se curva sob o casco do cervo.
Mas então existe um mundo
onde eu posso impor o destino?
Um tempo que obedece uma corrente de sinais?
Vidas, sob minhas ordens, sem finais?
Oh! Alegria de escrever!
O poder imortal do criador:
vingança de minha mão por ser mortal.
WISLAWA SZYMBORSKA
Por antonio thadeu wojciechowski
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