“‘Veja bem, dom
Pietrino, os ‘senhores’, como você diz, não são fáceis de compreender. Eles
vivem um universo particular criado não diretamente por Deus mas sim por eles
mesmo durante séculos de experiências especialíssimas, de fadiga e alegria
deles; possuem uma memória coletiva no mínimo robusta e assim se perturbam ou
se alegram por coisas que para você ou para mim não significam nada mas que
para eles são vitais porque se relacionam com esse patrimônio de recordações,
de esperanças, de temores de classe. [...] E com isso não quero dizer que são
maus: é outra coisa. Eles, na verdade, são diferentes [...] Talvez por isso
pouco se importam com coisas que para nós tem valor; quem está nas montanhas
não se preocupa com os mosquitos da planície e quem vive no Egito chega a
esquecer que existe guarda-chuva. O primeiro, porém, teme as avalanches os
crocodilos, coisas que no entanto nos preocupam pouco. Para os aristocratas
surgiram novos temores que nós ignoramos: já vi Dom Fabrizio, ele que é um
homem sério e sábio, ficar enraivecido por causa de um colarinho mal passado a
ferro; e ouvi dizer que o príncipe de Làscari não conseguiu dormir uma noite
inteira de tão furioso que ficou por terem lhe dado o lugar errado num almoço
na intendência.’” (Tommasi di Lampedusa, em O Leopardo)
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