domingo, 3 de maio de 2015

Guerra de um lado só

Roberto Elias Salomão

1 de maio às 21:29 ·

Guerra de um lado só, e Beto Richa consegue o dinheiro dos servidores

Milhares de policiais, centenas de bombas de gás lançadas contra os trabalhadores em greve, mais de 150 feridos entre os professores e demais servidores (alguns em estado grave), rumores sobre mortes, um deputado (Rasca Rodrigues) e um cinegrafista mordidos pelos cães da polícia, dentro da Assembleia: estes são apenas alguns dos fatos aterradores ocorridos nesta quarta-feira, 29 de abril de 2015, no Centro Cívico.

Foram esses acontecimentos que permitiram ao governador Beto Richa, com apoio de uma bancada supostamente leal, embora bastante diminuída em relação aos efetivos do início do ano, aprovar seu projeto de alterações nas regras da Previdência, que podem ser resumidas assim: o estado deixa de aportar R$ 142 milhões por mês (R$ 1,85 bilhão por ano). E as aposentadorias e pensões dos servidores entram no túnel escuro da incerteza, talvez da impossibilidade.

Desde o último sábado estava claro até que ponto o governo estava disposto a ir para ter acesso aos fundos da previdência dos servidores. Naquele dia, o presidente da Assembleia, Ademar Traiano (PSDB), obteve liminar para seu pedido de “garantir a votação do projeto”. O pedido, claramente inspirado pelo governador, abriu as portas para o cerco policial da Assembleia e as cenas de violência contra os trabalhadores, verificadas na madrugada e na manhã de terça-feira.

Tudo pode piorar

Na quarta-feira, já nas primeiras horas da manhã, notava-se o enorme reforço do policiamento. Calculava-se em 4 mil o número de policiais envolvidos na operação, dos quais cerca de 400 das tropas de choque (foram convidados todos os choques do estado, inclusive o do Batalhão de Fronteira de Foz do Iguaçu).
Os educadores em greve também iam chegando. A tensão foi aumentando e chegou a um ponto insuportável no momento de início da sessão. Os grevistas conseguiram derrubar uma grade da Assembleia, e aí o inferno começou.

A sessão chegou a ser interrompida por alguns minutos pelos estrondos incessantes das bombas, mas logo Traiano recomeçou os trabalhos, sob protestos dos deputados de oposição. “Aqui dentro está tudo tranquilo. Se tem confusão, é lá fora. Então, podemos continuar a sessão”.

Estava errado. O deputado Rasca voltou ao plenário, já medicado, mas com o sangue saindo pelo curativo no braço, mordido dentro das dependências da Assembleia.

A fala de Traiano continha, porém, uma verdade hedionda. Os deputados governistas pareciam estar numa redoma. A maioria sequer se dignou a ir dar uma olhada no que acontecia na praça, fazendo cara de paisagem, fato registrado pelo deputado Márcio Pauliki em sua fala: “Eu peço para acabar com esse teatro sem plateia. Não é possível que haja lá fora centenas de feridos e os deputados fiquem aqui tomando água de coco”.

O líder da Oposição, Tadeu Veneri, desmazelado e quase sem voz, a todo momento pedia a mediação da Assembleia para obter do comando policial uma possibilidade para que os feridos fossem atendidos. Foi ele que disse, dirigindo-se indiretamente a Traiano: “Para os que acham que a situação está tranquila, no momento estão jogando bombas dentro da Prefeitura”.

Era verdade. Forçados a recuar pelas bombas de gás incessantes, os manifestantes se refugiaram na Prefeitura, mas nem lá estiveram a salvo. Uma grande parte deles, porém, permanecia na praça, e as bombas não paravam. Um grito tomava conta da rua: “Fora Beto Richa! Fora Beto Richa!”. E dentro a sessão dos deputados continuava.

Veneri tomou a palavra para realçar, mais uma vez, o absurdo da situação: “Se jogassem uma dessas bombas aqui dentro, não ficava um só deputado. Mas como é o povo, ora, o povo que se lixe. Mas é esse povo que elege os senhores. Como é que vocês vão olhar na cara dos seus eleitores, amanhã?” Com a voz ainda falhando, Veneri continuou: “O governador Beto Richa está vendendo a sua alma”.

Crianças afetadas

A polícia continua disparando bombas de gás. As crianças do Cemei próximo à Prefeitura começam a passar mal. Mas a sessão dos deputados continua.

O deputado Péricles de Mello conseguiu falar pouco mais de um minuto, até que uma taquicardia o acometeu. Seu tempo foi completado pelo Professor Lemos, líder do PT: “O que o governador está promovendo hoje é desastroso. Só para tomar na mão grande e suja de sangue o dinheiro dos servidores”. Lemos disse que só em seu mandato Beto Richa promoverá a sangria do Fundo de Previdência em R$ 7,4 bilhões. “O governador não está preocupado com a corrupção em seu governo, com a quadrilha que saqueia o estado”.

O líder do PT negou que o tumulto tivesse sido provocado por infiltrados entre os professores: “Os presos são professores, os feridos são professores”. E concluiu: “O governo Beto Richa ultrapassou todos os limites”.

Deputados aprovam o projeto

As falas se sucediam, quase todas da oposição. Até que chegou o momento da votação. O parecer da CCJ sobre as emendas foi aprovado por 31 votos contra 19; o mérito do projeto foi aprovado foi aprovado por 31 votos contra 20. E a seguir foram aprovadas também as emendas.

Tanto o governador quanto a sua bancada de deputados e as forças policiais estavam plenamente vitoriosos. A que preço político, é o que verá em breve.

Naquele momento, porém, esse cálculo não era feito. O líder do governo, Romanelli, quase festejava a aprovação. Enquanto os deputados ainda votavam, o comandante de um dos choques reuniu sua tropa, deu ordem de descanso e cumprimentou-os pelo desempenho. Depois, os policiais festejaram, com gritos.

Duas sessões extraordinárias muito rápidas sacramentaram a aprovação do projeto governamental. O cheiro do gás e de algo muito pior ainda não se tinha dissipado.

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