É sempre melhor que a esquerda sobreviva, ainda que à falta
de opção. Não é cômodo, mas o oposto, a direita sobrevivendo com folga na
ausência de alternativa, incomoda muito mais. Há reconhecida parcela de
impotência socialista na varredura que os conservadores vêm fazendo nos últimos
sete anos. Em praticamente todos os continentes. Circunstância que é
particularmente desagradável depois do desastre a que políticas calorosas ao
mundo financeiro conduziram os países, na rabeira dos Estados Unidos. Mas o
volume da insatisfação universal com o estado do mundo não se converte em ações
estruturadas, capazes de impor rumos aos governos eleitos. Em parte porque
inexiste um conjunto de ideias motivadoras e convincentes com carimbo da
esquerda, justiça social pela transformação e transformação pela justiça
social. Ao que se soma o negativismo irracionalista dos movimentos contra tudo
e contra todos, infecção ideológica que aleija a esquerda sem arranhar a
direita, pois a proposta é de indiferença ou espasmos inconsequentes. Não há
objetivo de transformação institucional, mas de salvação epistemológica
individual. Salvam-se os que sabem que nada vale a pena. Daí que vitórias
eleitorais aqui e ali sejam subvertidas pela pressão da direita sobre governos
oriundos da esquerda. A direita se nutre menos dos méritos de suas fantasias
sobre eficiência dos mercados do que pela incapacidade da esquerda de
instrumentalizar alternativas civilizadamente aceitáveis.
E como se isso não bastasse, no Brasil estamos indecisos sem
saber se há uma esquerda que sobrevive por incompetência da direita ou se é a
direita que se apossa aos bocados da sociedade por anemia à esquerda. Nem mesmo
se vislumbra qual o vetor hegemônico no governo, visto que as vozes que de lá
se ouvem são dissonantes. Para os amantes da contemporaneidade musical,
dir-se-ia que o primeiro-ministro é discípulo de Stravinsky.
Durma-se com um barulho desses.
(Wanderley Guilherme dos Santos)
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