sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

OS CAIOWÁS E A BLOGUEIRA CUBANA




1. No dia 31 de setembro do ano passado, os índios caiowás Olindo e Jenivaldo Werá desapareceram na região de Paranhos, a 477 km de Campo Grande, após conflitos com pistoleiros pagos por grandes fazendeiros. No dia 18 de agosto, o fazendeiro Luis Carlos da Silva Vieira, conhecido como Lenço Preto, dissera em entrevista ao jornal Naviraí Diário: “Se eles podem invadir, então nós também podemos invadir. Não podemos ter medo de índio não. Nós vamos partir pra guerra, e vai ser na semana que vem. Esses índios aí, alguns perigam sobrar. O que não sobrar, nós vamos dar para os porcos comerem”.

Em novembro se alastrou pelas redes sociais a situação desesperadora de 170 índios caiowás (50 homens, 50 mulheres e 70 crianças) que estavam sob a mira de fuzis de pistoleiros, pagos por grandes fazendeiros, na região de Naviraí, a 270 km de Campo Grande. Eles divulgaram uma carta afirmando que estavam cansados de terem suas terras roubadas e de serem dizimados, ao longo de séculos. Haviam tomado uma decisão: só sairiam de onde estavam, mortos.

A repercussão que a carta teve nas redes sociais chegou ao Palácio do Planalto. Um destacamento da Polícia Federal foi deslocado para a região, para garantir a segurança das mulheres, homens e crianças indígenas. O barulho também obrigou a grande imprensa a noticiar o fato, ainda que com bastante discrição e durante pouco tempo. Até então, a grande imprensa se calava. Solenemente. Num país livre. Num país democrático. Num país onde todos têm o direito de expressar suas opiniões.

2. Não sou a favor que militantes impeçam a exibição de um filme ou o lançamento de um livro. Além de perda de tempo, acho um ato de burrice: só dão mais publicidade e argumentos para os que os criticam. Mas defendo o direito deles se manifestarem. Aqui, em Cuba ou em Wall Street. Agora, a máquina de propaganda da big mídia (o que Allen Ginsberg chamava, já nos anos 80, de máquina de propaganda do “capitalismo stalinista” – um paradoxo ultra-contemporâneo) é impressionante e dá muita bandeira: a eloquência do ataque que faz aos “xiitas” que se manifestaram contra a blogueira cubana Yoani Sánches é absurdamente inverso ao silêncio com que trataram os pistoleiros que miravam seus fuzis para os caiowás do Mato Grosso.

Uma pergunta simples, que parece ter se tornado fora de moda: Por quê?

3. Mas, sigamos em frente: há dois anos conversei com um músico cubano. Não lembro o nome dele. Estava trabalhando como rodie de uma banda. Tinha 27 anos. Perguntei-lhe sobre a situação de Cuba. Ele disse que era tudo muito precário, que a juventude queria ter acesso a produtos melhores do que eles têm, mas não queria perder as conquistas da revolução. Perguntei: que conquistas? Ele respondeu, sem pestanejar: sobretudo educação e saúde gratuitas e de qualidade. Perguntei o que ele achava quando andava pelas grandes cidades brasileiras e via miseráveis morando nas ruas. Respondeu que não conseguia entender como existiam pessoas nessas condições em um país rico como o Brasil. “Em Cuba não existem moradores de rua, sem escola, sem assistência médica?” “Nadie”, ele respondeu.

4. A esses “dissidentes”, que criticam o regime cubano, mas não querem perder as conquistas que tiveram nos últimos cinquenta anos, a big mídia não dá o mesmo impressionante destaque que Yoani Sánchez está conseguindo em sua visita ao Brasil. Compreendo o motivo: não interessa que opiniões como essa sejam ouvidas, pois tudo o que os “libertadores de Cuba” querem é transformar a ilha num “mercado livre”, um rentável negócio, que traga lucros e desenvolvimento, mesmo que esses lucros e esse desenvolvimento não sejam para todos. Só que, pelo visto, a maioria dos cubanos quer mais liberdade, quer melhores condições, mas não quer esse tipo de negócio. Senão, não tenham dúvidas: a máquina capitalista, com sua propaganda, seu dinheiro e seus fuzis (se necessário), já teria “libertado” a ilha.

5. Ah, uma última perguntinha: posso discordar da máquina de propaganda do mundo livre sem ser chamado de xiita? Posso, Nelson Motta? Posso, Arnaldo Jabor? Posso, Reinaldo Azevedo?


Ademir Assunção

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