quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Faca no peito

Que região é aquela, de areia e mar
-arco-íris góticos-
tão próxima do céu, sendo ela mesma inferno?
Estavam lá meu pai, minha mãe, já mortos.
Um se queixava e sofria,
outro chorava, consolando-me.
Minha irmã, a pedrada e ódios,
matara nossa irmã de criação.
Uma coisa horrorosa aconteceu,
disse à minha filha moça.
Belas mulheres mergulhavam de uma ilha rochosa
furada de cavernas.
outras masturbavam-se
ouvindo um rapaz charmoso discursar.
todos se lembravam: de algum lugar
o vento trouxera mesmo um cheiro de cadáver.
Mas quem ousaria supor o acontecido?
O vento do mar dobrava uns postes com fios,
gabirobeiras em flor, como noivas,
eram pura alegria,
luz aquecida contra o sonho cru.
Eu dormira com o peito perfurado de culpa
porque negara aos padres a boa fala de sempre.
Apodara-os viciosos, egoístas , aproveitadores do povo.
No sonho, um deles quis dar sua bênção, inconseguiu,
ninguém se ajoelhou, ocupado em frivolidades.
Quem sou eu?
A morta, a assassina, o prevaricador mentiroso ?
Só sei que eram ameaçadoras
claridades, b~ençãos, cavernas.
Meu coração suporta grandes pesos.
Nem em sonhos repousa.

Adélia Prado
in: Terra de Santa Cruz.Rio de Janeiro, 2006, p 62.

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