sábado, 27 de novembro de 2010

B. de S. (1499 - 1590)

«O vaticínio

Dez anos antes da vinda dos Espanhóis,

o primeiro sinal. Era como uma língua de fogo

no céu, como uma chama, como qualquer coisa faiscando

no crepúsculo. Ardia, largo, e disparava afunilando

para as alturas. Foi visto durante um ano, de noite.

E sempre que se iluminava ouviam-se gritos,

todos gritavam, todos batiam com a palma da mão

na boca, todos tinham medo,

se assustavam, esperavam, ficavam apavorados.





(...)



O monte

É uma coisa alta, pontiaguda; afilada em cima,

no cume, em bico, eleva-se e sobressai;

torna-se cómico, redondo; um monte redondo, baixo;

com muitos rochedos, rochoso; escarpado, fendido, rochoso;

feito de terra; com árvores; pastagens; com ervas; com água;

seco; recortado; com gargantas; com cavernas;

e lá dentro há gargantas, blocos de pedra.

Eu subo, escalo o monte. Vivo

no monte. Nasci no monte. Ninguém

se pode tornar monte. Ninguém se transforma

num monte. Por fim, também o monte se desfaz.



(...)



A caverna

Ali estende-se, ali torna-se longa e funda,

abre-se, estreita. É um lugar apertado,

um lugar de angústia. Ali é intransitável, áspera.

É um lugar terrível, um lugar de morte,

um lugar de trevas. Ali é sombria,

escura. A sua boca está escancarada, fauces abertas.

Fauces, largas, fauces estreitas.

Eu vou ficar na caverna.

Entro. Estou aqui. Estou na caverna.»



Hans Magnus Enzensberger. Mausoléu. Trad. e prefácio de João Barrento. Edições Cotovia, Lisboa, 2004., p.43/45/47

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