sábado, 13 de novembro de 2010

Adônis, revolução do verso árabe

O famoso poeta sírio, sempre candidato ao Nobel, também estará em Olinda



Charles McGrath THE NEW YORK TIMES ANN ARBOR, Michigan – O Estado de S.Paulo

Todo ano, o nome do poeta sírio Adonis aparece nos jornais e nas casas de apostas. Adonis, pseudônimo que Ali Ahmad Said Esber adotou ainda adolescente, é um eterno favorito ao Nobel de Literatura. Este ano, para a empresa de apostas britânica Ladbrokes as chances eram de oito para um de que ele ganharia o Nobel, uma aposta mais segura do que Mario Vargas Llosa, que acabou levando o prêmio.



Uma das razões dessa aposta dos especialistas é o fato de Adonis ser um poeta e ultimamente os poetas não têm tido quase representação entre os agraciados com o Nobel. E um outra é que ele escreve em árabe, língua de um único ganhador de um Nobel, Naguib Mahfouz; e uma terceira razão tem a ver com o fato de que, como ocorreu com tantos ganhadores do prêmio, muitos americanos nunca ouviram falar dele.



No mundo árabe, contudo, Adonis é famoso, mesmo não sendo apreciado em todos os lugares. Defensor do laicismo, coloca suas ideias de modo franco e direto; é também um crítico do Oriente e do Ocidente, um poeta revolucionário que se junta àqueles que tentaram libertar o verso árabe das suas formas e temas tradicionais. Alguns dos seus poemas são longos e difíceis, lembrando os Cantos de Ezra Pound na sua fase mais impenetrável.



Outros expressam a alegria de um Paul Muldoonish, a fascinação e a amplitude de um Jorie Graham. Seus poemas são tão inclinados a citar Jim Morrisson quanto os místicos Sufi, e o seu livro, lançado em 2003, Prophesy, O Blind One, inclui longos versos sobre uma viagem, que poderiam ter sido escritos por Whitman, se ele tivesse passado mais tempo em aeroportos. “Segundo os livros didáticos na Síria, eu arruinei a poesia”, disse recentemente o poeta com um sorriso de satisfação.



Adonis, que hoje está com 80 anos, mudou-se para o Líbano por razões políticas nos anos 60, mas vive em Paris desde a década de 80 (ele é cidadão francês). A Editora da Universidade de Yale lançou no mês passado um volume de poemas selecionados do poeta, com tradução de Khaled Mattawa. Adonis esteve na Universidade de Michigan, onde leu alguns dos seus poemas e proferiu conferências. Pequeno e animado, uma nuvem de cabelos grisalhos, Adonis posou para fotos ao lado de fãs femininas que provavelmente queriam guardar uma lembrança dele, caso a Academia Sueca lhe conceda o próximo prêmio. Mas, em conversas, Adonis recusou-se a falar a respeito. “Não penso nisso. E não quero falar a respeito.”



Seu desinteresse por prêmios em parte tem a ver com a sua modéstia e em parte, a julgar por uma conferencia que proferiu, de uma concepção de poesia que transcende não só a política literária, mas a política no geral. Para ele, a poesia não é apenas um gênero ou uma forma de arte, mas uma maneira de pensar, quase uma revelação mística. “Poesia não pode ser feita de modo a se adequar à religião ou uma ideologia”, disse ele. “Ela proporciona um conhecimento que é explosivo e surpreendente.”



Em seguida, lamentou o que chama de “atraso” da poesia árabe contemporânea, que, na sua opinião, tornou-se instrumento retórico para celebrar e explicar o “status quo” político e religioso. No sistema islâmico não há muito lugar para a poesia, porque o Islã pressupõe que o conhecimento do Alcorão é completo e não existe mais nada a acrescentar.



Ele observa que a situação da poesia no Ocidente não é muito melhor, marginalizada não tanto pela religião ou ideologia, mas pela cultura pop e pela mídia. Mas seu entusiasmo pelos versos continua vigoroso. A poesia árabe tradicional, explicou, normalmente é arranjada em 16 métricas básicas, os versos divididos por uma única rima final que se mantém no poema inteiro. A partir dos anos 60, Adonis procurou inovar, introduzindo versos livres sem rima e até mesmo poesia em prosa, usando métricas mistas.



“Quis utilizar a mitologia e a tradição árabes sem ter de me ater a elas”, diz ele, acrescentando: “Quis quebrar a linearidade do texto poético. O poema tem que ser mais uma trama do que um único fio de pensamento.” Para alguns críticos, a poesia de Adonis é uma obra de exílio, mas isso não o preocupa. “Todo artista está num exílio dentro da própria linguagem. O Outro é parte do meu ser interior.”



Mais recentemente, seu trabalho conta com novo elemento erótico; num dos poemas, a amada é a própria poesia, imaginada como a amante que chega à noite num vestido negro. “Felicidade e tristeza são duas gotas de orvalho caindo sobre a sua cabeça.”

Charles McGrath THE NEW YORK TIMES ANN ARBOR, Michigan – O Estado de S.Paulo

Tradução de Terezinha Martino

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