quarta-feira, 28 de abril de 2010

Romance sonâmbulo




Federico Garcia Lorca



(A Gloria Giner e a

Fernando de los Rios)









Verde que te quero verde.

Verde vento. Verdes ramas.

O barco vai sobre o mar

e o cavalo na montanha.

Com a sombra pela cintura

ela sonha na varanda,

verde carne, tranças verdes,

com olhos de fria prata.

Verde que te quero verde.

Por sob a lua gitana,

as coisas estão mirando-a

e ela não pode mirá-las.



Verde que te quero verde.

Grandes estrelas de escarcha

nascem com o peixe de sombra

que rasga o caminho da alva.

A figueira raspa o vento

a lixá-lo com as ramas,

e o monte, gato selvagem,

eriça as piteiras ásperas.



Mas quem virá? E por onde?…

Ela fica na varanda,

verde carne, tranças verdes,

ela sonha na água amarga.

— Compadre, dou meu cavalo

em troca de sua casa,

o arreio por seu espelho,

a faca por sua manta.

Compadre, venho sangrando

desde as passagens de Cabra.

— Se pudesse, meu mocinho,

esse negócio eu fechava.

No entanto eu já não sou eu,

nem a casa é minha casa.

— Compadre, quero morrer

com decência, em minha cama.

De ferro, se for possível,

e com lençóis de cambraia.

Não vês que enorme ferida

vai de meu peito à garganta?

— Trezentas rosas morenas

traz tua camisa branca.

Ressuma teu sangue e cheira

em redor de tua faixa.

No entanto eu já não sou eu,

nem a casa é minha casa.

— Que eu possa subir ao menos

até às altas varandas.

Que eu possa subir! que o possa

até às verdes varandas.

As balaustradas da lua

por onde retumba a água.



Já sobem os dois compadres

até às altas varandas.

Deixando um rastro de sangue.

Deixando um rastro de lágrimas.

Tremiam pelos telhados

pequenos faróis de lata.

Mil pandeiros de cristal

feriam a madrugada.



Verde que te quero verde,

verde vento, verdes ramas.

Os dois compadres subiram.

O vasto vento deixava

na boca um gosto esquisito

de menta, fel e alfavaca.

— Que é dela, compadre, dize-me

que é de tua filha amarga?

— Quantas vezes te esperou!

Quantas vezes te esperara,

rosto fresco, negras tranças,

aqui na verde varanda!



Sobre a face da cisterna

balançava-se a gitana.

Verde carne, tranças verdes,

com olhos de fria prata.

Ponta gelada de lua

sustenta-a por cima da água.

A noite se fez tão íntima

como uma pequena praça.

Lá fora, à porta, golpeando,

guardas-civis na cachaça.

Verde que te quero verde.

Verde vento. Verdes ramas.

O barco vai sobre o mar.

E o cavalo na montanha.





Federico Garcia Lorca nasceu na região de Granada, na Espanha, em 05 de junho de 1898, e faleceu nos arredores de Granada no dia 19 de agosto de 1936, assassinado pelos “Nacionalistas”. Nessa ocasião o general Franco dava início à guerra civil espanhola. Apesar de nunca ter sido comunista – apenas um socialista convicto que havia tomado posição a favor da República – Lorca, então com 38 anos, foi preso por um deputado católico direitista que justificou sua prisão sob a alegação de que ele era “mais perigoso com a caneta do que outros com o revólver.” Avesso à violência, o poeta, como homossexual que era, sabia muito bem o quanto era doloroso sentir-se ameaçado e perseguido. Nessa época, suas peças teatrais “A casa de Bernarda Alba”, “Yerma”, “Bodas de sangue”, “Dona Rosita, a solteira” e outras, eram encenadas com sucesso. Sua execução, com um tiro na nuca, teve repercussão mundial.



A poesia acima foi extraída de sua “Antologia Poética”, Editora Leitura S. A. – Rio de Janeiro, 1966, pág. 53, tradução e seleção de Afonso Felix de Sousa.



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