quarta-feira, 28 de agosto de 2019

"Jakob Von Gunten" ilumina um mundo de insignificâncias -


  

CRÍTICA ROMANCE



MARCELO BACKES



O suíço Robert Walser (1878-1956) é louvado por Canetti (1905-1994), Sebald (1944-2001) e Coetzee e frequentemente comparado a Franz Kafka (1883-1924).
"Jakob von Gunten" (1909), sua obra-prima, é um romance de formação sem formação. Ele conta o desenvolvimento -inexistente- de um interno do Instituto Benjamenta, que deveria intermediar seu caminho do núcleo mais estrito da família ao mais amplo da sociedade.
"Jakob von Gunten" antecipa a modernidade de "Berlin Alexanderplatz" ao retratar a cidade e mostra um personagem conformado.
Ele não se apavora como o Laurids Brigge de Rilke e consegue fingir que ama o mundo, o que o torna ainda mais doloroso que os personagens de Kafka.
Nas notas de seu diário sem data, Jakob mostra por que gosta de ser oprimido e só consegue respirar nas "regiões inferiores".
Seu objetivo é "ser e permanecer pequeno". Ele diz sim a tudo com a maior facilidade e não passa de um"zero à esquerda".
O Instituto Benjamenta é a "montanha mágica" do servilismo, e seu diretor, o sr. Benjamenta, um Voltaire que ensina a cultivar o jardim -dos outros.
Se Kraus, colega de Jakob, é o aluno exemplar, o criado como deve ser, Jakob, descendente de nobres, é um vagabundo, que vai a restaurantes comer garçonetes e vê a srta. Benjamenta, irmã do diretor, morrer quase em seus braços porque nenhum homem a amou.
Ela era a possibilidade de redenção e até corteja Jakob, mas ele não consegue consolá-la quando ela está triste e se limita a lamentar a falta de dinheiro.

SENTIDO DA EXISTÊNCIA
Ao final, Jakob acaba sucumbindo ao ataque do diretor e sai com ele para a selva desértica do mundo, depois de o instituto acabar por falta de alunos.
A grande pergunta de Jakob tenta dar conta do sentido da existência. Seu diário é cheio de invocações oníricas e fantasiosas e belas frases de recorte aforístico: Jakob diz que "só as mulheres sabem se zangar "e que os palitos de fósforo se riem à socapa.
Walser foi funcionário como Kafka, teve irmão suicida, mãe depressiva, viveu boa parte da vida em sanatórios e morreu em meio à neve, num passeio, exatamente como décadas antes um de seus personagens.
Seus microgramas, decifrados após sua morte, são a prova prática de uma tentativa radical-mais do que a de Kafka- de se apartar da opinião pública.
Walser parece querer deixar claro que o artista ideal é aquele que jamais deixa de fazer arte, mas não para atender ao desejo narcísico ou altruísta de legar uma obra.
Escrever de fato para si mesmo, sem dar atenção aos outros: esse é o mandado de sua arte purista.
E, assim como o palhaço da ópera, ele esconde sua tristeza por trás de um sorriso quase convulsivo, que aparece também em "Jakob von Gunten".
Suas lágrimas íntimas banham um mundo de ninharias; o temor de ver a máscara do riso caindo impede-o de se aproximar diretamente do que é grande, e Walser ilumina a existência humana pelas beiradas, desvelando o imenso valor das coisas "insignificantes".

MARCELO BACKES é escritor e tradutor, autor de "Estilhaços" e "Três Traidores e uns Outros", entre outras obras

JAKOB VONGUNTEN

AUTOR Robert Walser
EDITORA Companhia das Letras
TRADUÇÃO Sergio Tellaroli
QUANTO R$ 39 (152 págs.)
AVALIAÇÃO ótimo

 FOLHA DE SÃO PAULO. 09 Jul 2011

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