domingo, 24 de agosto de 2014

O arco e a lira

"As imagens do poeta têm sentido em diversos níveis. Em primeiro lugar, possuem autenticidade: o poeta as viu ou ouviu, são uma expressão genuína de sua visão e experiência do mundo. Trata-se, então, de uma verdade de ordem psicológica, que evidentemente nada tem a ver com o problema que nos preocupa. Em segundo lugar, essas imagens constituem uma realidade objetiva, válida em si mesma: são obras. Uma paisagem de Góngora não é o mesmo que uma paisagem natural, mas ambas têm realidade e consistência, embora vivam em esferas diferentes. São duas ordens de realidade paralelas e autônomas. Nesse caso, o poeta faz algo mais que dizer a verdade; ele cria realidades possuidoras de uma verdade: as da sua própria existência. As imagens poéticas têm sua própria lógica e ninguém se escandaliza se o poeta diz que a água é cristal ou que “el pirú es primo del sauce” (Carlos Pellicer). Mas essa verdade estética da imagem só vale dentro do seu próprio universo. Por fim, o poeta afirma que as suas imagens nos dizem algo sobre o mundo e sobre nós mesmos e que esse algo, embora pareça um disparate, nos revela o que somos de verdade. Terá algum fundamento objetivo essa pretensão das imagens poéticas? O aparente contrassenso ou sem-sentido do dizer poético conterá algum sentido?"

[Octavio Paz. “O arco e a lira”. Tradução de Ari Roitman e Paulina Watch. São Paulo: Cosac Naify, 2012. Pgs. 113 e 114 /

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