domingo, 10 de agosto de 2014

Dentes


Os dentes, porque são dentes,
iniciais. Na espuma,
porque não são saliva
estas ondas
pouco mordentes; este
sal que sobe quase
doce; donde?
Numa espécie
de fogo: amor é fogo
que arde sem se ver;
porque não é
de facto fogo este frio aceso;
da saliva à lava
passa pela espuma.
Só os dentes.
Duros, ácidos, concentram-se
tacteando a pele,
tatuando signos sempre
moventes
de fúria. Mordida
a pele cintila; espelho
dos dentes, do seu esmalte voraz;
suavemente.

Carlos de Oliveira, in 'Pastoral'

Carlos Oliveira (Belém do Pará, 10 de Agosto de 1921 — Lisboa, 1 de Julho de 1981), escritor.
Nascido no Brasil,filho de imigrantes, veio aos dois anos para Portugal. A família fixa-se em Cantanhede, mais precisamente na vila de Febres, onde o pai exercia medicina. Em 1933 muda-se para Coimbra, onde permanece durante quinze anos, para estudar. Em 1941 ingressa na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, onde estabelece amizade com Joaquim Namorado, João Cochofel e Fernando Namora. Em 1947 licencia-se em Ciências Histórico-Filosóficas, instalando-se definitivamente em Lisboa.
Data de 1942 o seu primeiro livro de poemas, intitulado "Turismo", que integra a colecção poética de 10 volumes do "Novo Cancioneiro", iniciativa colectiva que, assinala o advento do movimento neo-realista. Porém, em 1937, já publicara, um pequeno livro de contos "Cabeças de Barro". Em 1943 publica o seu primeiro romance, "Casa na Duna",. No ano de1944 surge o romance "Alcateia", que viria a ser apreendido pelo regime.
Os anos seguintes serão, para Carlos de Oliveira, bem profícuos quanto à integração e afirmação no grupo que veicula e auspera por um novo humanismo, com a participação nas revistas Seara Nova e Vértice, além da colaboração no livro de Fernando Lopes Graça "Marchas, Danças e Canções", uma antologia de vários poetas, musicadas pelo maestro.
Em 1953 publica "Uma Abelha na Chuva", o seu quarto romance e, unanimemente reconhecido, uma das mais importantes obras da literatura portuguesa do século XX, adaptado ao cinema por Fernando Lopes.
Em 1957 organiza, com José Gomes Ferreira, os Contos Tradicionais Portugueses, alguns deles posteriormente adaptados ao cinema por João César Monteiro.

Segue-se: "Sobre o Lado Esquerdo" e "Micropaisagem" (poesia), "O Aprendiz de Feiticeiro", colectânea de crónicas e artigos, e "Entre Duas Memórias

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