quarta-feira, 27 de novembro de 2013

FUGA


Poema de Lera Auerbach

Estou coreografando

meu próprio descontentamento.

Os dias se acumulam

em vaidade seca e frugal,

complicando manobras

de mãos sempre em movimento,

pêndulo oscilante

do suicídio ao sacrifício,

do êxtase à gratidão

em todos os tons de cinza.

A fuga se acelera:

ainda lembro seu tema principal,

mas seu contra-sujeito me deixa

sem ar.

Esse contraponto é venenoso

em maiores quantidades,

e não tenho um antídoto

para essa música infecciosa.

Minha febre está subindo.

As pontas quentes dos meus dedos tocam

o corpo intocável da fuga —

ela não pode ser totalmente capturada

nas redes de notas e compassos,

ela foge, selvagem,

pelo riso indomesticável

de deuses e demônios, quem quer

que esteja vigiando as portas do som,

as quimeras lamuriantes

do céu e do inferno.

Olho para a chama negra.

Logo ela consumirá meus dias,

já congela meu coração,

e toma tudo o que ainda chamo de “meu”,

transformando em colheita seca

que queima — oh, tão intensamente —

até que já não seja

até que seja só cinzas,

até que retorne ao pó,

vire aquela nota silenciosa

depois do fim, mas logo

antes do aplauso

enquanto as mãos do maestro ainda seguram

as asas de uma frase musical

e a audiência segura a respiração

como que para não perturbar a mágica;

exceto por ninguém estar esperando

por mim do outro lado, não há

nenhum aplauso ou cumprimento, nem bravi,

mas apenas aquele momento de infinita

solidão

quando o som morre.


Tradução de Sofia Mariutti.

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