sábado, 28 de setembro de 2013

O Eichmann do Boa Vista



Dia destes fui assistir o filme “Hanna Arendt”, que entre outras coisas retrata o processo de escrita do livro “O julgamento de Eichmann em Jerusalém”. Filme bacana, mesmo para quem, como eu, não se sente lá muito convencido da teoria do Totalitarismo da filósofa alemã. Mas não se pode negar que a ideia da banalidade do mal é um viés explicativo interessante: para Arendt o funcionário da SS nazista Eichmann era um medíocre membro da engrenagem do mal, sem plena consciência do que fazia, era apenas uma pequena expressão da banalidade do mal.

É possível encontrar pequenos “Eichmanns” por ai. Dos seus lugares de poder, por mais diminutos que sejam, colocam toda sua medíocre capacidade com vigor e energia em favor das engrenagens do mal. É possível encontrá-los por ai no serviço público também. Negar um direito, enganar um cidadão, defender com unhas e dentes o chefe de turno, são as características da vez destes pequenos “Eichmanns”. Claro que nada como comandar a saída de vagões de judeus para a morte, porque a exigência do momento não é essa. Mas defender com orgulho a política de saúde do governo, na mesma toada em que informa ao paciente que a consulta com o especialista só vai ser marcada para dali a um ano, ou explicar as grandes ações do governo na educação, com a mesma desenvoltura e alegria com a qual nega uma vaga na creche para uma mãe.

Claro que não estou falando da maioria. A maioria trabalha em troca do seu salário, e sofre também com o funcionamento destas engrenagens que negam direitos aos cidadãos. Mas esta minoria não. Não consigo avançar muito em especulações sobre suas motivações, mas podem passar pela vontade de acender de posto, obter privilégios, se livrar do trabalho considerado por eles mais penoso, como o contato direto com a população, com os pacientes, com os alunos, não sei. Talvez a ideia de que estejam apenas cumprindo o seu dever, pois medíocres que são, não possuem capacidade de questionar, de levantar impeditivos éticos de qualquer natureza para a tarefa que lhes foi confiada.


Anos atrás topei com um pequeno “Eichmann” destes. Ontem a reencontrei. Lembro bem da convicção com que me explicava as maravilhas feitas pelo governo de plantão, enquanto negava um direito meu. Simples assim. Servil e convicta. Em outro tempo poderia estar fechando os ferrolhos dos vagões em uma estação de trem, certa de estar cumprindo o seu dever.

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