sábado, 16 de fevereiro de 2013

A melindrosa



[José Aloise Bahia, Portal de Literatura & Arte Cronópios, São Paulo, SP, Brasil, 07Jun2011]

Um exemplo notável dos diálogos imagéticos modernistas (principalmente, em sintonia com a Art Déco) sobre o processo de composição, relembra aspectos advindos da profusão, marcadamente presente no Barroco. A profusão é uma técnica utilizada para o enriquecimento visual associada às questões do poder e riqueza. Também ao embelezamento e ostentação. A ilustração irônica (acima) de J. Carlos ressalta estas qualidades. Pois o poder está com Ela: a moça moderna, cheia de graça, beleza, charme e ousada. E dEla brota a ornamentação, o ritmo, acento e apelo visual, usando o próprio nome da revista. Por extensão, para todos os olhares e admiradores. E o melhor do carioca: a imagem lembra uma ala de escola de samba. Capitaneada por Ela, a melindrosa, e sua elegância são os motores da composição. A cor preta na parte de baixo (usada com extrema sensibilidade e de maneira intencional, sendo um contraponto em relação aos traços e cores em suas variadas tonalidades na parte de cima) é o tapete e o elemento visual garboso para o restante das figuras, tendo como base e sustentáculo a mulher.

O foco/eixo principal/central parte da passista sedutora e seu vestido realçante, complementando a distinção necessária. A perna posta adiante produz uma aparente sensação de que Ela sozinha não conseguirá segurar/equilibrar o peso e o ritmo da enxurrada de homens que a contemplam de maneira sequiosa. Novamente, faz sentido falar no preto (cor símbolo do anarquismo; ausência de luz; etc.) que absorve toda a profusão da parte superior, e irradia o ritmo imposto pela caminhada, servindo com uma espécie de freio/amortecedor da multidão, colocando uma certa ordem na marcha, parecendo dizer para quem vai atrás dEla: “Não ultrapassem a melindrosa. Podem olhar, mas não coloquem as mãos. Coloquem as mãos noutro lugar: comprem Para Todos”. O contexto da escala, relação tamanho de campo e sua dinâmica, amplia o conhecimento da visualização, pois a aglutinação (reavivamento da profusão ao misturar as cabeças uma nas outras e chapéus, prevalecendo um tom pastel para as cores) é feita com medidas e tamanhos proporcionais na primeira fila de homens, seguida pelo efeito de desampliação, tornando mais evidente a mulher e a primeira coluna masculina. A desordem e tensão estabelecida na parte de cima da imagem é sustentada/amparada pela cor preta e a figura dEla (referenciais primeiros), eixo vital de toda composição gráfica.

O estilo ornamental, utilizando quase todo o espaço da página, enfatiza um abandono da realidade em favor do mundo da fantasia e o delírio, criando laços com o Surrealismo. Com certeza é isto que se passa pelas cabeças e passos masculinos acelerados atrás dEla. A exuberância da imagem ressurge numa postura simbólica e tentação regida pelo desejo e o sonho, ao observar que a multidão é a estratégia estética e complexa de toda a trama da diagramação. Um amontoado de machos aparentemente bem comportados. O referencial secundário é este. A tensão, impacto e contraste estão em (re)articular a dicotomia apresentada, estabelecer a harmonia entre os dois volumes que se atraem, as duas referências (a inferior, principal com o título da revista, perna e parte do corpo dEla, com ¼ da página e a superior, secundária com o agrupamento de figuras em profusão, com ¾), que reforçam a mensagem através da técnica e desenhos apurados, acertando a forma, disposição e o conteúdo, não dando margem para dúvidas. J. Carlos, com certeza, trabalhava com o conceito de eficácia visual.

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