sexta-feira, 13 de julho de 2012

O que ficou ou se perdeu da era beat

Por Amarílis Lage | VALOR

De São Paulo

Em 1978, um jovem gaúcho de 20 e poucos anos embarcou para os Estados Unidos disposto a refazer a viagem que Jack Kerouac (1922-1969) havia feito cerca de 30 anos antes, da Costa Leste à Oeste do país. Eduardo Bueno havia descoberto “On the Road” numa versão em espanhol (”En el Camino”), em Buenos Aires. Correu atrás do texto original, em inglês. Por fim, pegou a estrada também. E sentiu que estava no lugar certo, mas, aparentemente, no tempo errado.
“Havia um abismo entre o que eu vivia internamente, embebido daquele espírito beat, e o ambiente circundante”, lembra Bueno. “Vi que eu estava fora de tempo. Era o começo da América yuppie, o que me perturbou muito. Encontrei [o poeta beatnik] Lawrence Ferlinghetti e disse: ‘Vim em busca da rebelião’. E ele: ‘Que rebelião, cara?’ ‘Mas onde eu posso encontrar aquele espírito?’. E Ferlinghetti, com ironia e generosidade, respondeu: ‘Try the mountains’ [tente as montanhas].”
Bueno, que foi responsável pela primeira tradução brasileira de “On the Road”, publicada em 1984, conta que ficou chocado. “Era impressionante como Kerouac havia ‘morrido’ nos Estados Unidos naquela época.”
Estará vivo e influente hoje? Para o cineasta Walter Salles, a resposta é sim. E ele se apoia em outro autor beat, o poeta Mike McClure, que o diretor entrevistou para um documentário sobre “On the Road”, ainda inédito.
Certa vez, conta Salles, um jovem perguntou a McClure por que a geração beat havia morrido. “Só que esse cara estava vestido como queria, tinha o cabelo comprido, era budista e se preocupava com a ecologia. Onde está a geração beat? Está nele”, diz o diretor. “Os movimentos não duram para sempre. Em cinema, por exemplo, há o neorrealismo italiano, que aparentemente se extinguiu. No entanto, há diretores, como o turco Nuri Bilge Ceylan, que carregam muito daquilo com eles. Algo do movimento beat está vivo, mas dentro de nós, nem sabemos onde.”
Para Bueno, que também foi responsável pela coleção Alma Beat, da L&PM, que publicou obras de William Burroughs, Gary Snyder e Neal Cassady no Brasil, entre os principais legados da geração beatnik estão a preocupação com a preservação ambiental, a relação com religiões orientais e a atitude libertária. “Eles colocaram esses temas na roda.”
Além de introduzir uma série de questões culturais, os beats também deram sequência a aspectos da tradição literária americana que permanecem atuais.
Como conta Bueno no prefácio de “On the Road”, a busca por uma escrita que capturasse uma voz genuinamente americana já estava presente em autores como Walt Whitman (1819-1892) e Mark Twain (1835-1910).
Tematicamente, a ideia do andarilho, desadaptado da sociedade, também já estava presente. “A base disso está nas obras de Thoreau [1817-1862], como ‘A Desobediência Civil’ e ‘Walden – ou a Vida nos Bosques’”, afirma Bueno.
Salles identifica, porém, um aspecto dos beats que talvez tenha se perdido: a importância de viver a experiência na pele. “Eles viajavam quilômetros por uma boa conversa. Hoje, a gente manda um SMS. Espero que as pessoas sintam que existe alguma coisa a ser aprendida nesse tipo de vivência direta.”

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