quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

A secção dos congelados

Truncadas, indefinidas, passam

na memória como filmes mudos

pequenas histórias de amor

carnal. Os grandes caudais da noite

sempre desaguam na tarde salobra

e rasa: Janeiro amolece a tinta

das paredes, levamos à rua uma cara

mais fechada, e depois, na secção

dos congelados, não sabemos distinguir

o que sentimos além do frio que represa

as coisas todas: caminhamos sós



num privado bosque, convocamos

sombras que foram perdendo o nome,

sinais que não transportam já

um sentido automático de desejo

ou sofrimento. E contudo, à revelia

das certezas que não quiséramos ter,

acabamos sempre por tornar

às mesmas ruas, à noite insone

e imensa, onde nos dói descobrir,

na companhia dos outros,

o quanto nos reclama a solidão.

Rui Pires Cabral

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