domingo, 12 de setembro de 2010

Tabu da virgindade feminina veio com a agricultura, diz cientista

Possibilidade de juntar patrimônio fez com que pais quisessem gerir vida sexual das filhas

Casamentos viraram, há 10 mil anos, moeda de troca entre famílias; urbanização recente teve efeito contrário



Foi há 10 mil anos que o hímen se tornou importante.

Essa é a conclusão de Peter Stearns, grande especialista em história sexual da Universidade George Mason (EUA).

Seu livro “História da Sexualidade”, recém-lançado no Brasil pela editora Contexto, compara a vida típica de tribos nômades que vivem de caça e coleta com a das primeiras sociedades humanas pós-agricultura.

É inevitável, diz, perguntar: por que, de repente, a sexualidade feminina passou a ser vigiada e elas muitas vezes perderam até a chance de escolher seus parceiros?

Era diferente entre quem não plantava. “Grupos caçadores-coletores tinham fascínio pela sexualidade. A bissexualidade era comum.”

Houve a mudança porque, com a possibilidade de acumular patrimônio (caçadores não juntam excedente nem terras), filhas viraram moeda de troca entre famílias. Surgiu a herança e o dote.

Com a residência fixa e as famílias agrupadas, ficou fácil, especialmente para pais, supervisionar os outros.

Era importante zelar para que as filhas não engravidassem de gente indesejada -e para que os filhos também não engravidassem qualquer uma, mas sem testes de DNA esse problema era menor.

AMOR SÉRIO

Ainda que restritivas, civilizações antigas tratavam de sexo com naturalidade. Um mito egípcio dizia que o deus Atum se masturbava na água e acabou ejaculando o Nilo.

Isso prosseguiu com as sociedades clássicas. A Grécia foi muito tolerante com homossexuais. Rapazes eram “tutorados” por homens mais velhos na sexualidade.

“Platão disse ser mais provável que o amor sério surgisse entre homens, pois podia envolver uma mistura de sexo e interessante conversação intelectual”, diz Stearns.

Isso mostra que mulheres ainda eram reprimidas -ainda que os romanos valorizassem seu prazer, por exemplo.

Com a ascensão do cristianismo, porém, a maneira de lidar com o sexo endureceu. Na Idade Média, as cidades diminuem -e, em geral, quanto mais urbano um povo, mais liberal sexualmente.

Se religiões clássicas contavam aventuras sexuais dos deuses, Jesus nasceu de uma virgem. O sexo se aproxima do pecado. A homossexualidade cai na clandestinidade.

CIDADES PROMÍSCUAS

Com a Idade Média acabando, aos poucos as cidades voltaram a crescer. A industrialização, a partir do século 18, acelerou o processo.

Com o trabalho urbano, herdar terras deixa de ser vital. “Se o pai não podia assegurar herança, havia menos motivos para que os filhos aceitassem plenamente sua autoridade”, diz Stearns. O anonimato das cidade grandes também oferece menor controle sobre a vida alheia.

Países da Europa, EUA e Brasil só viraram majoritariamente urbanos no século 20. O sexo acompanhou e dominou a cultura, seja em Hollywood ou nas revistas, e a virgindade perdeu espaço.

A homossexualidade passou a ser vista com mais naturalidade, e países como a Espanha legalizaram o casamento gay recentemente.

Com métodos anticoncepcionais eficientes, o sexo pelo prazer disparou. As mulheres no mercado de trabalho se tornam menos dependentes das ordens paternas.

É um processo que ainda está acontecendo. Ainda hoje, por exemplo, metade do mundo vive em áreas rurais.

“Não sabemos se o mundo todo vai se industrializar. É difícil dizer que o padrão moderno de sexualidade triunfará, apesar de ser tentador dizer que no futuro teremos ainda mais aceitação do sexo pelo prazer”, diz Stearns.

que Ocidente

Regiões islâmicas eram bem mais tolerantes do DE SÃO PAULO

É papel do homem fazer a mulher chegar primeiro ao orgasmo. Elas, porém, devem raspar pelos pubianos, para que fiquem atraentes. Homossexuais são aceitos.

Trata-se de uma descrição de uma sociedade bastante liberal, e pode surpreender saber que estamos falando das regiões islâmicas nos séculos após a difusão da religião, por volta do ano 600.

“O Oriente Médio era uma sociedade mais urbanizada e, em muitos sentidos, mais sofisticada que a Europa”, diz Stearns. Era, também, mais liberal com o sexo -vide “As mil e uma noites”, com histórias eróticas.

Apesar da virgindade feminina ser fortemente valorizada, um livro islâmico de 984 já reclamava que “hoje, quando um homem ama uma mulher, não tem outra coisa em mente a não ser erguer as pernas dela”.

Para Stearns, isso pode ter sido revertido a partir do século 19, em parte, como reação à liberalização ocidental.

Mesmo falando mais de sexo, mulheres sempre foram bastante reprimidas no Islã. O adultério é um dos principais crimes- mas eles podem se casar com várias.

“A mudança nas condições da mulher no ocidente provocou mais ênfase, entre os islâmicos, no lado restritivo e punitivo”, disse Stearns à Folha. “Pegas de surpresa nessa transição, muitas regiões adotaram uma postura de desconfiança.” Ganharam força, então, a burca, o Talibã e apedrejamentos.

(RM)Folha de São Paulo. Domingo 12/09/2010.

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