sábado, 24 de outubro de 2009

Graças à História Geral do Caribe, as populações espalhadas nesta região insular do mundo, mas unidas pela cultura, encontram-se pela primeira vez à frente do palco da história não como objetos, mas como sujeitos e atores de seu destino.




Como a aventura começou?
Em dezembro de 1981, o Diretor-Geral da UNESCO, Federico Mayor, convidou 20 pesquisadores caribenhos e europeus para uma reunião em Paris com o objetivo de constituir um grupo de trabalho para a produção de uma história do Caribe, de seus povos e de seu habitat, concebida a partir “de dentro”. Mais
Sondar o terreno histórico in situ e não observá-lo a partir das capitais e dos portos europeus: essa foi a abordagem até então inédita adotada pelo Comitê de Redação da "História Geral do Caribe", em 1983, em Kingston (Jamaica). A equipe de 18 pesquisadores – quase todos do Caribe, mas também vindos da África, dos EUA, da Europa e da Índia – deveria investigar o passado de populações disseminadas pelo Caribe, donas de usos e costumes semelhantes, para torná-las o tema de uma obra de história comum.

Esses povos e culturas até então excluídos ou mencionados de forma acessória nas narrativas históricas, mais como objetos do que sujeitos e atores de sua história, teriam a oportunidade de aparecer à frente do palco. Tratava-se de uma cartada extremamente arriscada.

Antes de mais nada, era necessário fixar os contornos da “região” caribenha. Os pesquisadores começaram, portanto, pelo mar que lhe dá o nome. Em seguida, detiveram-se nos territórios limítrofes e, finalmente, levaram em consideração o conjunto dos agrupamentos humanos que os haviam povoado no norte, sul, leste e oeste, desde a pré-história até nossos dias. Assim, esta História diz respeito tanto às ilhas quanto às regiões litorâneas da América do Sul – da Colômbia às Guianas – e da América Central, banhadas pelo Mar do Caribe. Todos esses territórios foram habitados por populações que compartilham um patrimônio cultural comum, além de experiências similares (às vezes, em épocas diferentes) nos campos da organização política, econômica ou social.

Ponte para uma história em comum



Ao adotar uma abordagem temática, o Comitê de Redação evitava reduzir o projeto a um conjunto de resumos das histórias singulares de cada ilha, já escritas pela elite crioula entre o século XVII e o início do século XX. Os trabalhos dos historiadores europeus e norte-americanos, por sua vez, ficaram limitados à questão dos conflitos e das relações comerciais entre as ilhas e o continente.

Com a ampliação da historiografia nas universidades européias e norte-americanas durante a primeira metade do século XX, assistiu-se à aparição de uma mudança de perspectiva sob a influência dos movimentos em favor da autonomia política. Esses dois fatores inicialmente geraram deslocamentos da ênfase nas histórias distintas e, em seguida, nas histórias que abordavam temas comuns como indústria açucareira, escravidão e suas leis, imigração européia e asiática.

Nas antigas universidades de Cuba e de Porto Rico e em estabelecimentos mais recentes, como a “University of the West Indies”, surgiram os departamentos de estudos caribenhos. Nos dois anos do primeiro ciclo universitário, foi empreendida uma formação sobre literatura, história, cultura e sociedade caribenhas sob o impulso dos pesquisadores, a partir do desejo de se entender melhor as atividades que haviam modelado a região e de isolar os elementos constitutivos da cultura caribenha. Em seguida, os professores envolvidos com esses estudos formaram a “Associação dos Historiadores do Caribe” e a “Associação dos Estudos Caribenhos”. Assim, desde a década de 1980, eram lançados os alicerces para uma história geral temática do Caribe.

Conteúdo da história



Os principais resultados dessas pesquisas refletem-se nos seis volumes que têm início com a apresentação das populações indígenas originárias do Orinoco, cuja presença nestas ilhas antecede em vários séculos a chegada dos europeus.

Situadas no espaço que se tornou a porta do Novo Mundo, elas foram dizimadas no norte pela escravidão, pela barbárie e pelas doenças. No leste, porém, sua habilidade tática fez prodígios para combater os europeus e para adaptar-se a eles, permitindo-lhes sobreviver durante um tempo mais longo, mas seu número não deixou de diminuir. Além disso, no século XVIII, aquelas que ainda ofereciam alguma resistência foram deportadas para Belize. Neste território, fundaram comunidades que ainda subsistem e, nos dias de hoje, transmitem o garifuna, sua língua de origem, aos kalinago das ilhas de Domínica e de São Vicente-Grenadinas.

No norte e no leste do Mar do Caribe, esses migrantes do centro e do sul do continente fundiram-se no decorrer de vários séculos para formar uma população caribenha com cultura caribenha. Eles sobreviveram durante um tempo suficiente para estabelecerem contato com os emigrantes europeus, dando origem a uma “Nova Sociedade”, título do segundo volume da coleção. Nele, é feita a análise dessa sociedade entre 1492 e 1650, do meio ambiente caribenho, dos efeitos da ocupação européia sobre as sociedades autóctones, dos fundamentos da migração forçada, da instalação e da redução à escravidão das populações africanas, além da natureza dos conflitos comerciais e territoriais que provocaram a divisão entre os europeus.

O terceiro volume aborda as “sociedades escravagistas” – em outras palavras, o custo humano da escravidão – e as diferentes formas de resistência observadas em toda essa região: por exemplo, a que resulta na independência do Haiti no começo do século XIX. Seus estudos evocam a interdição do tráfico britânico e, em seguida, os progressos da emancipação que resultou da combinação entre as revoltas dos escravos nas ilhas e a campanha obstinada dos humanitários e dos partidários do livre-comércio europeus.

Os textos do volume IV, que incide sobre “O longo século XIX”, adotam uma abordagem mais temática que cronológica. Os conflitos entre latifundiários e camponeses emancipados levaram os governos a incentivar e a financiar a migração originária da Ásia e, em particular, da Índia. No século XX, as restrições impostas aos contratados e as humilhações inerentes à condição de trabalhador das plantações exerceram uma grande influência sobre o desenvolvimento das sociedades crioulas. As relações sociais e econômicas nas sociedades outrora dependentes da escravidão e dos contratos ficaram marcadas pelos conflitos entre etnias e entre classes. Por sua resistência constante a tais regimes opressores, porém, essas sociedades conquistaram também a dignidade e a autoconfiança dos homens livres. A virada do século XX vive o surgimento dos movimentos autonomistas, além da progressão espetacular dos capitais e da influência norte-americanos em detrimento da supremacia anterior da Europa.

O volume V, dedicado ao Caribe no século XX, aborda a questão da descolonização e do neocolonialismo que transparece na predominância e na persistência das plantações, na onipresença do desemprego e na vulnerabilidade das economias caribenhas, sem deixar de analisar os efeitos da modernização e da comunicação de massa sobre as culturas locais.

O último volume, finalmente, sobre a metodologia e a historiografia do Caribe, volta a analisar as provas históricas e as técnicas utilizadas nesta História. Na conclusão, lembramos a historiografia dos diferentes territórios, a diversidade das escritas da história e fazemos um retorno às mudanças ocorridas na interpretação do passado.

Roy Augier, historiador de Santa Lucia, é o diretor-científico da "História Geral do Caribe"

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